Os sistemas hierarquizados são estruturas em que os seus membros estão organizados de acordo com níveis de autoridade e responsabilidade. Nos sistemas hierárquicos, a comunicação e as decisões geralmente fluem de cima para baixo, com pessoas em posições de liderança (geralmente no topo da hierarquia) exercendo controlo sobre as ações e responsabilidades dos níveis inferiores.
O sistema militar é um exemplo clássico da estrutura hierárquica constituída por classes, designadamente a classe de oficiais, a classe de sargentos e classe de praças.
Também no setor empresarial existe uma hierarquia com cargos como CEO (topo), diretores, gestores e colaboradores.
Como também existe hierarquia no poder executivo (governo), entre os ministérios, as secretarias de Estado, as direções gerais e outros servidores.
Os sistemas hierarquizados têm vantagens e desvantagens, mas poder-se-á dizer que são estruturas de gestão que organizam pessoas e funções em níveis distintos, promovendo controlo, disciplina e clareza, mas em contrapartida também podem gerar rigidez e limitações na comunicação e inovação.
No caso do Ministério Público, a sua caracterização hierarquizada está constitucionalmente consagrada no art.º 219.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, quando alude que “os agentes do Ministério Público são magistrados responsáveis, hierarquicamente subordinados (…)”.
Seguindo de perto a declaração de voto do Plenário do Conselho Superior do Ministério Público (CSMP) de 29.10.2019, proferida pelo, à data, vogal do CSMP, Carlos Teixeira, sempre se dirá que o sistema hierárquico no Ministério Público se pode subdividir em hierarquia funcional e hierarquia processual.
A hierarquia funcional encontra-se prevista no atual Estatuto do Ministério Público, no art.º 97.º, n.º 3, que proclama que a hierarquia é de natureza funcional e consiste na subordinação dos magistrados aos seus superiores hierárquicos, nos termos definidos no presente Estatuto, e na consequente obrigação de acatamento por aqueles das diretivas, ordens e instruções recebidas.
Por outro lado, a hierarquia processual encontra a sua consagração no n.º 4 do mesmo artigo, que institui que a intervenção hierárquica em processos de natureza criminal é regulada pela lei processual penal. Ou seja, nenhuma outra intervenção hierárquica num concreto processo de inquérito, para além das que estão previstas no Código de Processo Penal, é legalmente admissível.
A hierarquia dos magistrados do Ministério Público caracteriza-se pela subordinação dos magistrados aos de grau superior, com o consequente acatamento das diretivas, ordens e instruções que receberem, podendo os magistrados do Ministério Público exigir que tais ordens ou instruções sejam dadas por escrito, devendo sê-lo sempre que se destinem a produzir efeitos num determinado processo.
As ordens ilegais devem ser recusadas e podem sê-lo também as ordens que violem gravemente a consciência jurídica do magistrado, no que o magistrado exerce a sua autonomia.
É exatamente na consciência jurídica que reside a essência da autonomia dos Magistrados do Ministério Público e que é apregoada pelas melhores Cátedras das universidades portuguesas, mas que, quando em vestes políticas, contestam que os Magistrados dela (consciência jurídica) possam lançar mão.
A hierarquia do Ministério Público não é, por isso, uma hierarquia de carácter militar ou administrativa. E muito menos o é quando se trata de a exercer no processo penal, onde o Ministério Público atua como Autoridade Judiciária, ou seja, Órgão da Administração da Justiça e não como Órgão da Administração. A ação da Administração da Justiça deve orientar-se por critérios de legalidade e de objetividade, tendo os despachos proferidos em tais processos carácter jurisdicional ou parajurisdicional, em que as intervenções da hierarquia ocorrem apenas num único grau (à exceção da decisão do incidente de aceleração processual que compete ao Procurador-Geral da República) e apenas nas situações previstas na lei processual penal.
A intervenção da hierarquia que ocorrer fora do processo, alicerçada no estabelecido no Estatuto do Ministério Público, encontra-se limitada à emissão de diretivas, ordens ou instruções.
Tais instrumentos hierárquicos, que os magistrados do Ministério Público têm o dever de acatar, não se destinam a produzir efeitos em processos determinados, mas apenas a estabelecer formas de atuação e procedimentos gerais que possam eventualmente ter incidência em determinado tipo de processos, mas não em cada processo em particular, ou a regular aspetos específicos dos serviços.
Temos de partir do pressuposto de que os Magistrados do Ministério Público são magistrados que tiveram uma adequada formação que os capacitou para dirigirem o inquérito em obediência à lei e dentro de uma estratégia orientada para a descoberta da verdade material, segundo critérios de legalidade e de objetividade, a que devem obediência como magistrados do Ministério Público que são, com estatuto de autonomia.
Os problemas da justiça em Portugal não são fruto da inexistência, limitação ou falência da hierarquia do Ministério Público, como alguns o querem fazer transparecer no espaço mediático. Essa hierarquia existe, encontra-se plenamente contemplada e regulada no Estatuto do Ministério Público e na lei processual penal. Os problemas da justiça em Portugal estão sobejamente diagnosticados, agora só falta a prescrição, o tratamento e a cura.
Aproveito ainda a data para desejar a todos os operadores do sistema de justiça um bom ano judicial
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