A Lei n.º 55/2021, de 13 de agosto, introduziu mecanismos de controlo da distribuição eletrónica dos processos judiciais, alterando o Código de Processo Civil.
Não obstante o legislador ter estabelecido que as operações de distribuição e registo sejam realizadas por meios eletrónicos veio, de forma inédita, determinar que a distribuição fosse presidida por um juiz, designado pelo presidente do tribunal de comarca e secretariado por um oficial de justiça, com a assistência obrigatória do Ministério Público e, caso seja possível por parte da Ordem dos Advogados, de um advogado designado por esta ordem profissional.
Além desta alteração, de que discordamos pelos motivos que apresentaremos, a Lei estatuiu regras a que o ato de distribuição deveria obedecer, e permitiu que os mandatários judiciais tivessem acesso à ata das operações de distribuição dos processos referentes às partes que patrocinam, podendo, a todo o tempo, requerer uma fotocópia ou certidão. Ficou, ainda, exarado naquele diploma que, nos casos em que haja atribuição de um processo a um juiz, deve ficar explicitada na página informática de acesso público do Ministério da Justiça que houve essa atribuição e os fundamentos legais da mesma.
São de louvar medidas que conferem maior transparência e uniformização ao ato da distribuição, contudo a obrigatoriedade da presença dos magistrados criou algum sobressalto no meio judiciário. Desde 2021 até 11 de maio de 2023, tudo corria bem, porque a Lei, apesar de já em vigor, não havia sido regulamentada por diploma do Governo.
A verdadeira perturbação começou com a entrada em vigor da Portaria n.º 86/2023, de 27 de março, que levou a que, pelas vinte e três comarcas do país, se organizassem “escalas à distribuição”, para garantir a presença física dos magistrados no ato da distribuição.
Na prática, e na maioria dos casos, reúne-se um juiz, que preside à distribuição, um magistrado do Ministério Público e um oficial de justiça que efetua cliques, no sistema informático, para que o programa distribua os processos de forma eletrónica e aleatória. Em resumo, estão os três a olhar para um computador, à espera que este apresente o resultado eletrónico – a dita distribuição dos processos pelos magistrados. Ou seja, a presença do Ministério Público é obrigatória, mas completamente inútil.
E quantas vezes isto acontece por dia? Duas, três, quatro… tantas quantas forem necessárias!
É que, enquanto que as distribuições ordinárias têm hora marcada, as extraordinárias acontecem sempre que entra um expediente urgente. No sistema antigo, a distribuição de processo urgente era executada de forma imediata pelo sistema informático, permitindo ao respetivo oficial de justiça apresentá-lo ao magistrado titular. Mas agora não. O expediente urgente fica a aguardar que se prepare a tal reunião para a operação de distribuição.
Este aumento da burocracia é perverso, levando a quebra no trabalho dos magistrados, a interrupções e adiamentos de diligências, também estas urgentes. Imagine-se o caso de um juiz e de um procurador que estão impedidos num julgamento de arguido preso. Chegado um qualquer expediente urgente, terão de suspender o julgamento para “ir assistir” à sua distribuição.
Atente-se, por exemplo, no caso da Comarca do Porto, em que os magistrados têm de se deslocar a um edifício distinto daquele onde exercem funções. É um dia perdido! Ou três dias, se considerarmos o caso dos juízes do tribunal coletivo escalados de “turno à distribuição” que não poderão marcar diligências nem no dia em que estão de escala, nem nos dias das escalas dos juízes adjuntos.
Mais uma vez, o legislador olvida por completo a realidade dos tribunais, ignorando a extrema carência de oficiais de justiça e de magistrados, em especial, de magistrados do Ministério Público.
Compreendemos e aceitamos a necessidade do legislador em efetivar o princípio da transparência do procedimento de distribuição, que também reputamos de extrema importância, como garantia da imparcialidade na administração da justiça, essencial à confiança no sistema de justiça democrático. Mas convenhamos, a distribuição eletrónica nos termos que vem sendo feita, apenas representa um aumento da burocracia e um enorme dispêndio de meios humanos, que já são tão raros no sistema de justiça.
Na nossa opinião, a presença dos magistrados, em especial do magistrado do Ministério Público, pouco ou nenhum benefício traz à dita efetivação do princípio da transparência do procedimento de distribuição.
Volvido mais de um ano, uniformizados que estão os procedimentos, só podemos concluir que a reunião diária de juízes, procuradores e oficiais de justiça para assistir à distribuição eletrónica é uma perfeita perda de tempo e de meios!
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