Li com atenção e respeito a reflexão do professor Manuel Sérgio, catedrático da Faculdade de Motricidade Humana e Provedor para a Ética no Desporto, ao relatório de 572 páginas intitulado Estado da Educação – 2018, do Conselho Nacional de Educação (CNE), assim como os elogios feitos à atual Presidente, Doutora Maria Emília Brederode dos Santos, sua amiga.
Não li na íntegra o dito relatório, mas fui espreitar as metas que o mesmo aponta como essenciais à Educação em Portugal, tendo em conta a génese dos novos tempos, mais especificamente até 2030. Educar implica sempre um projeto de futuro, lê-se. Certo. Certo e empolgante. Mas que projeto de futuro é esse que nós, professores, tentamos a muito custo construir? Procuramos diariamente sinais desse futuro que nos escapa, especialmente em territórios educativos inseridos em bairros pobres e degradados, onde os alunos são provenientes de famílias desestruturadas. Sabe-se como é forte a correlação entre meio social de origem e resultados escolares, designadamente a taxa de insucesso e de abandono, continuo a ler. Pretende-se igualdade na escola e posteriormente no acesso à universidade, é claro. Porém, segundo um estudo encomendado pela CONFAP à Universidade Católica do Porto, 60% dos alunos do ensino secundário frequentam explicações fora da escola. Não é esta a realidade dos meus alunos. Somos nós, professores da legião da boa vontade, que lhes damos aulas de apoio, sugadas ao nosso tempo de preparação, estudo, pesquisa e até mesmo de descanso, horas nunca remuneradas como letivas.
Um pouco mais à frente, delicio-me com mais esta pérola retórica: A escola terá de ser uma escola para todos. Obviamente, meus senhores. São mesmo várias as conditio sine qua non a uma escola de futuro e a uma educação que, de facto, signifiquem desenvolvimento e progresso. Porém, questiono-me: será porventura possível uma escola de futuro e de progresso sem a criatividade das artes, sem os valores da cooperação (e não da competição), sem as complexidades da vida e dos seus problemas concretos, sem a desfragmentação da realidade?
Por outro lado, é possível criar uma educação de futuro sem professores valorizados e motivados? Li há dias um artigo escrito por uma brasileira cujo título era: Não pode haver educação de qualidade com professores mal remunerados. Apesar de continuarmos a ser responsáveis por grande parte da formação e educação de crianças e jovens, somos menosprezados e mesmo explorados em todas as nossas funções. O professor tornou-se o saco de boxe de uma sociedade adormecida, um mero instrumento de trabalho, um funcionário da administração pública como qualquer outro que se limita a continuar a fazer a máquina funcionar. A azáfama de grelhas e de reuniões que se vive na escola pública dá que pensar. Mais uma vez, descobriram a pólvora. Depois da Gestão Flexível do Currículo, da Área-escola, da Área de projeto, da Formação Cívica, do Projeto Curricular de Turma entre outros, surgiu agora o supra sumo de todas as invenções: a Autonomia e Flexibilidade Curricular. Feita, toda ela, à custa de novos absurdos que nada acrescentam ao estado da educação em Portugal.
Neste texto poético de 572 páginas que é o Estado da Educação, fiquei com a sensação de que a valorização e o bem-estar da classe profissional que fará tudo isto acontecer e a quem as políticas educativas retiraram a alma e os anos de serviço e o poder de compra, cujas habilitações, formações, capacidades, habilidades, conhecimentos, responsabilidades e competências são essenciais ao futuro, não é dos principais pontos em destaque.
Alguém, aí, acredita numa educação de futuro sem os professores?