Recentemente, uma mulher jovem e sexualmente experiente, com trinta e poucos anos, sem relação de compromisso, falava-me da sua mente aberta e desinibição sexual que lhe permite estar sexualmente com homens e com mulheres. Contou-me das festas sexuais em que participa, da troca de parceiros e de como é observada nos seus gestos ousados e provocadores. Queixava-se da dificuldade em encontrar pessoas para uma relação aberta e manifestava um interesse erótico exuberante. No final, perguntei-lhe se tinha prazer sexual. Disse-me que não. Perguntei se tinha orgasmo, e também me disse que não. A uma excelente performance correspondia zero prazer. Disse-me, “não sinto grande coisa, é tudo fora de mim”.
Outra mulher jovem, num casamento heterossexual de 6 anos, comentava-me sobre a “excelente performance sexual” do seu companheiro, incansável no coito vaginal prolongado e atlético, sexual oral no cardápio e que fazia tudo para o prazer dela. Ainda assim, ela não estava completamente satisfeita. Disse-me, “ele parece que não está lá… faz aquilo tudo mas eu não o sinto comigo”.
Prazer vem do Latim placēre, agradar. Prazer significa gozo, delícia, satisfação, contentamento; sensação que provoca felicidade ou alegria, júbilo, entusiasmo ou deleite. Já a palavra Inglesa performance, significa actuação, acabamento, resultado obtido numa prova. No dicionário Inglês, “an act of presenting a play, concert, or other form of entertainment”. Fala-se de performance desportiva e académica. Comenta-se a performance do artista a representar um papel em teatro. Uma performance é uma representação. E fala-se ainda da performance sexual. Diz-se que ele ou ela teve uma boa performance sexual, o que poderá fazer dele ou dela, um bom amante. Será que é assim?
O prazer parece remeter para uma vivência interna, ao passo que performance remete para fora. Assim sendo, podem estes conceitos tão diferentes – performance e prazer – ir juntos no sexo?
Para muitas pessoas, se uma performance é representação, fica-se longe do prazer, porque o prazer pressupõe verdade, conexão e entrega. Para muitos outros pode não ser assim. Estamos no reino da diversidade. Falar de sexo é contemplar a variedade e as diferenças. Por isso é que é tão difícil operacionalizar e definir o prazer sexual. Como o próprio erotismo, o prazer é como as impressões digitais. Cada um tem o seu. E por isso, tantas vezes neste reino das diferenças, quando se juntam duas pessoas para terem prazer, é preciso afinar agulhas.
Para muitas pessoas, a experiência sexual vivida com entrega, com presença, com ligação, é fundamental para o prazer, e para o orgasmo ainda mais. O orgasmo exige ligação e entrega, sobretudo o feminino. Ligação a quem? Ligação a si própria/o, ao seu corpo, conexão com o corpo, ligação às sensações físicas, ao sentir. É uma experiência de let go, logo, não é performativa. Um sexo performativo pode ser desinteressante, vazio, sem salero. Importa clarificar – porque quando se trata de sexualidade é sempre preciso clarificar -, que não estou contra jogos de role-play, sejam eles quais forem, por exemplo de domínio e submissão. Nem estou sequer a defender que o sexo tem que ser com ligação emocional. O sexo pode ser pelo sexo, pelo dito prazer sexual, sem ter que existir relação emocional.
Tão pouco quero encetar uma discussão semântica no uso das palavras. O que aqui me importa é trazer conteúdo que ajude a pensar sobre como é a vivência sexual de cada um. E com este objectivo, há dois aspectos que me interessa realçar.
1. A sexualidade masculina continua muito focada na performance. Uma sexualidade muito genitalizada que se faz demasiado responsável pelo prazer da parceira (falo agora na heterossexualidade). Mas não tem que ser assim. A responsabilidade do prazer está dividida pelos dois (se forem dois) e ela também assume a sua parte no contributo e no resultado. O imperativo masculino do “tenho que lhe dar prazer” coloca muitas vezes uma pressão ao homem que o faz perder o papel de participante para assumir um papel de observador da sua própria performance. E perde-se a ligação, ela sente que ele está “desligado”. E ele perde o prazer, porque está menos imerso na experiência e mais distraído com a avaliação da sua performance.
2. Nalgumas situações, a performance sexual acontece intencionalmente, quando um dos parceiros se envolve na actividade sexual sem ter interesse. Não há desejo, a excitação é pouca, a pessoa não está interessada, não entrega nada de si no encontro. Esta situação é mais frequente nas relações de longa duração e são mais protagonizadas por mulheres. Não há interesse sexual, a sexualidade não é importante e a mulher abdica do prazer. Nestes casos parece-me relevante pensar nisto e fazer uma escolha consciente. Quão importante é para mim a sexualidade? Eu quero mesmo o prazer sexual na minha vida? Se sim, é importante a pessoa apropriar-se da sexualidade como algo que lhe pertence e apropriar-se do prazer sexual como algo a que tem direito e que pode mais ativamente perseguir.
E já agora, também é responsabilidade de cada um – e não só do outro – perseguir os estímulos sexuais necessários e adequados para conseguir o dito prazer, neste jogo erótico de conexão e exploração infindável. E no encontro erótico, o orgasmo não é o único fim. O prazer vai para além do chamado clímax, são coisas diferentes. O prazer sexual é uma experiência abrangente e vasta que não se reduz ao orgasmo. O prazer sexual é um infinito universo de possibilidades para descobrir e partilhar (quando e com quem se quer partilhar). O prazer sexual faz parte da experiência humana e do bem-estar, como está expresso na recente Declaração Sobre o Prazer Sexual* redigida em outubro deste ano pela Associação Mundial de Saúde Sexual. A possibilidade de ter experiências prazerosas e seguras, livres de discriminação, coerção e violência, é uma parte fundamental da saúde sexual e do bem-estar para todas as pessoas.
*https://worldsexualhealth.net/declaration-on-sexual-pleasure/