Quase ao mesmo tempo, a VISÃO e a Exame informática vêm lembrar os perigos da rede, ou antes, dos espiões na rede.
A VISÃO ao longo das suas páginas centrais (da edição 1181) vem demonstrar muito do que se pode saber sobre cada um de nós. A Exame Informática tem um verdadeiro manual prático das medidas a tomar para, até certo ponto, nos defendermos. É bom, é importante que estes artigos existam para que quem não reparou tome consciência e saiba no que está metido. Alguém ao meu lado devorou o texto da VISÃO e reagiu ligando a alguns amigos, quer a alertar para o artigo, quer a pedir ajuda para se defender, e fez isto usando um telemóvel. O telemóvel mudou nossa sociedade, a nossa capacidade de comunicação e pode ser rastreado por perigosíssimos espiões que, se recorrerem a táticas ilegais, até podem ouvir a conversa dela. Pior ainda, há algumas hipóteses de existir por aí um computador que está a decifrar o seu discurso e a decidir se é caso para alertar que a pessoa em causa é um potencial perigo para a sociedade. Se o computador der o alerta, alguém que não seja uma máquina irá investigar. E, no entanto, qualquer um de nós pegaria no telemóvel para ter exatamente a mesma conversa. E com razão, porque naquelas circunstâncias era a melhor maneira de comunicar e porque a NSA não quer mesmo saber de conversas destas.
De vez me quando, dou umas aulas em que tenho por hábito dar um exemplo da cena do filme “Minority Report”. O herói da fita caminha por um corredor e cada anúncio chama-o pelo nome. Os mesmo alunos de pós graduação costumam ficar muito apreensivos quando lhes digo que aquela seria uma técnica demasiado invasiva e só por isso não a usam com eles, mas que o seu equivalente existe. Há muitos exemplos possíveis, e até os anúncios que deve estar a ver nesta página, não estão lá por acaso. Basta por exemplo ter Gmail. É engraçado como quando navegamos na Net os mesmos anúncios parecem repetir-se de site para site, não é? Parece uma gigantesca campanha que nos chama a atenção, frequentemente para o mesmo produto, como se fossemos numa estrada e todos os grandes cartazes publicitários tivessem sido comprados pela mesma marca. Mas, se olharem para o computador do lado, verão que afinal há uma estrada para cada um de nós. É que no outro computador, nas mesmas páginas e dependendo de quem as está a ver, a publicidade será completamente diferente. A campanha não tem que ser tão grande assim, em algum lugar o anunciante decidiu qual o seu público alvo e os computadores da Google acham que somos nós. Como sabe onde andamos vai lá colocando anúncios especificamente dirigidos para o nosso perfil, isto pode compreender a idade, os nossos hábitos de consumo, os nosso interesses (definidos pelas buscas), se temos filhos, e de que idades, o sitio onde moramos, ou seja, só falta mesmo que o anúncio nos chame pelo nome e nos trate por tu, afinal sabe tudo sobre nós. A Google nunca o escondeu, até o nosso correio é analisado para escolher a publicidade que vamos ver, e esse é o preço a pagar por serviços como o correio gratuito. Isto deu polémica durante uns dias, rapidamente nos esquecemos e continuou tudo na mesma.. Mais, se usa o GPS do telemóvel, há computadores que sabem onde esteve e a que horas, meses, anos para trás, dia a dia, hora a hora. A diferença é que a Google tem tido como politica mostrar a cada utilizador os dados que tem sobre ele e permitir apagar informação, mas nunca o fazemos. Muitas outras empresas podem ter dados semelhantes mas acham que não temos nada que ver com isso.
E os espiões, muitas vezes legal ou ilegalmente, conseguem acesso a dados destes, está mais que provado. Ora eu quero todos estes serviços e estou disposto a pagar o preço. Mas, ao mesmo tempo, acredito que estes artigos e o conhecimento que com eles vem é fundamental. Assim de repente, veria três tipos de potenciais perigos, e vou falar apenas da privacidade e não de coisas como vírus e as ameaças reais de destruição de dados, caso não se pague uma determinada quantia, isso, é outra coisa. Então a privacidade. Há o vizinho bisbilhoteiro, o miúdo curioso que gosta de espreitar o que consegue fazer na rede. Com estes temos que ter precauções básicas, não vou fazer aqui o manual de defesa do cidadão em 2015, mas são coisas equivalentes a estar atento a carteiristas numa multidão, ou trancar o carro quando estacionamos. Depois há os malvados dos publicitários, normalmente há uma troca, dão-nos qualquer coisa, e usam os nossos dados para tentar vender-nos outra coisa. Isto está demasiado simplificado mas enquanto é assim não me preocupo, não estou minimamente preocupado que um computador saiba que gosto de banda desenhada e acho que ele não vai fazer queixinhas se alguma heroína menos vestida resolver entrar pelo meu ecrã a dentro (em casa, porque no trabalho pode mesmo fazer queixinhas e a conversa pode ser outra). Pelo contrário, já dei, poucas vezes é certo, com anúncios que eram mesmo para mim.
Ah, e há os espiões. Enfim, se eles estiverem mesmo interessados em mim, podem ler o meu mail ou colocar microfones que conseguem ouvir o som das teclas do computador e com isso saber o que estou a escrever antes mesmo de eu enviar. Não vou poder fazer grande coisa. No dia em que isso possa ser uma preocupação terei que prescindir de muito do conforto da nossa sociedade, e não se pense que isto só acontece aos terroristas. Um jornalista que tenha uma investigação mais quente, mas tem que ser mesmo a escaldar, pode ter que se isolar, o que não vai facilitar nada o trabalho. Em relação a estes, por enquanto, vou acreditando que a NSA tem mais que fazer. Acho que tenho alguma consciência dos dados que partilho, também sei que essa informação só interessa a alguém enquanto sou visto como consumidor, e é vista por máquinas, não há uns tipos a lerem tudo sobre a vida de cada um de nós. Coitados, morriam de tédio ao fim de meia dúzia vidas normais. Para mim o passado recente seria bem pior, imagino facilmente uma pequena aldeia em que além de cada um saber dos outros isto implica julgamentos morais e repressões várias, prefiro a realidade atual.
A Rodinha
Só para os preocupar um pouco mais. Qualquer telemóvel pode gravar o que o rodeia sem que isso seja visível, em alguns casos é o dono que o faz, mas é possível tomar conta de um aparelho destes e dar ordens de gravação à distância. A seguir são os relógios, há programas que iniciam a gravação no telemóvel apenas com um toque no “relógio inteligente”, e a maior parte destes relógios pode mesmo gravar por si só as conversas em volta. Lembro isto porque acaba de ser dado um passo importante para a banalização destas tecnologias de pulso. Acaba de ser colocado à venda mais um relógio mas este pode mudar muita coisa. A Samsung lembrou-se de usar um anel em volta do mostrador para boa parte da interatividade do novo relógio Gear S2. Quando apresentou a nova máquina, na IFA de Berlim, caiu o queixo a muito jornalista. A verdade é que é uma espécie de ovo de Colombo. E agora que o experimentei tenho a certeza. Um dos problemas destes relógios é ser tão difícil interagir em ecrãs tão pequenos. A rodinha da Samsung torna de facto tudo mais fácil, intuitivo e prático. Só imagino que esteja tão protegida com patentes que dificilmente chega a outros fabricantes.