Quem tem gatos sabe, possivelmente por experiência própria, que a ida ao veterinário é sempre uma verdadeira aventura, nem sempre agradável, muitas vezes perigosa para todos os intervenientes e de onde podem sair traumas para a vida.
O gatinho doce e afável que temos em casa transforma-se, como que por artes mágicas, num verdadeiro felino selvagem, armado com unhas e presas afiadas, capazes de infligir sérios danos à frágil pele humana.
Não porque o gato seja um animal instável ou traiçoeiro (tantas vezes injustamente apelidado por quem pouco ou nada conhece do comportamento felino,) mas porque a sua perspetiva do momento o leva a pensar que corre risco de vida. Assim sendo, terá que recorrer a um dos 4Fs (que explicarei o conceito já em seguida) que o levam a reagir de forma imprevisível, uma vez que podem passar de um comportamento a outro em frações de segundo, sem aviso prévio.
Os 4Fs resumem as 4 formas mais comuns segundo as quais os gatos reagem em situações que considerem um perigo imediato ou uma ameaça à sua integridade física. Este conceito baseia-se numa nomina anglo-saxónica que tenta, numa palavra, resumir as respostas comportamentais, que nesta espécie poderão ser variáveis e voláteis: freeze, fight, flight e fiddle about. Poderemos traduzir para o português como: congelar, lutar, fugir e atividade deslocada.
Logicamente, para tutores e veterinários, é muito prático que o animal adote comportamento equivalente ao “freeze”. São estes os que nos facilitam a vida, uma vez que ficam estáticos, sem reação, não reagindo a nenhum tipo de manipulação, por mais invasiva que seja. Mas a emoção adjacente a este estado faz com que devamos ter atenção redobrada, uma vez que podem passar do “freeze” a qualquer um dos outros Fs, sem aviso prévio.
Em relação ao “fight”, o nosso gato é pródigo em mostrar este tipo de reação. Talvez pelo sangue latino, enfrenta qualquer tipo de agressão de forma heroica, sem virar as costas ao perigo e defendendo-se aguerridamente. Para estes teremos que utilizar a contenção o mais suave possível e, em casos extremos, a sedação é o mais apropriado.
O “flight” é também bastante complicado, uma vez que o animal concentra toda a sua força física e agilidade na tentativa de fuga. Apesar da sua intenção ser a de fugir do local de perigo, fá-lo em pânico e sem sentido, uma vez que tenta trepar para qualquer tipo de plataforma elevada, arrastando pelo caminho todo o tipo de objetos decorativos ou utilitários, deixando o consultório devastado, tipo cenário de guerra.
O “fiddle about” é o mais ambíguo de todos os comportamentos, uma vez que, estando o animal num forte conflito interior, não conseguindo decidir sobre qual das atitudes adotar, faz uma atividade deslocada, nada adequada ao contexto da situação, como por exemplo bocejar, lamber uma pata, lavar os bigodes, espreguiçar-se, entre muitas outras. Mas, uma vez mais estando em stresse elevado, este gato pode, a qualquer momento, mudar para uma atitude mais assertiva ou mais perigosa.
Assim sendo, é importante que tomemos todas as precauções necessárias para que o animal se sinta o menos ameaçado possível em todo este processo, desde a colocação na caixa de transporte, ao abandono da sua zona de conforto, à atribulada e instável viagem de carro, à intimidante sala de espera e finalmente o odorífico e desconfortável consultório.
Aqui ficam 10 dicas fundamentais e que devem ser cumpridas, sempre que o gato necessitar de atenção veterinária:
1 – A caixa transportadora deve estar à disposição do gato, dias antes da consulta (ou permanentemente), proporcionando-lhe uma zona de recreio ou de descanso, com uma almofada ou manta macia. Evita-se assim que o simples facto desta aparecer, vinda da arrecadação ou da garagem, sirva de aviso ao animal, que a evitará a todo o custo, escondendo-se nos sítios mais improváveis. Para além de que, se o gato estiver familiarizado com a transportadora, esta servirá para lhe dar conforto físico e psicológico durante toda a visita, uma vez que a identifica, visual e olfativamente, como parte integrante do seu território.
2 – Se possível, agende dia e hora para a consulta, para que a visita seja rápida e eficaz.
3 – Cerca de meia hora antes da viagem devemos borrifar pontos estratégicos do interior da caixa de transporte (base, topo e paredes laterais), com uma feromona sintética, que se adquire facilmente no veterinário. Esta feromona dará ao gato uma maior sensação de conforto olfativo, tranquilizante e relaxante. Este tipo de produto não tem qualquer efeito secundário, mas como tem base alcoólica não deve ser utilizada imediatamente antes de se colocar o gato no interior da transportadora.
4 – A cobrir o fundo da caixa devemos colocar uma manta macia e à qual o gato esteja habituado. Esta destina-se a proporcionar algum conforto, acrescentar um odor familiar e na clínica poderá ser usada para cobrir a cabeça do animal por forma a lhe dar alguma tranquilidade, evitando o contacto visual com o ambiente ameaçador. Poderá também introduzir na transportadora um dos brinquedos preferidos e vir sempre munido da guloseima mais desejada.
5 – Acrescente uma ou duas toalhas limpas à bagagem que acompanha o gato nesta saída de casa. Uma delas será utilizada para cobrir a caixa, por forma a dar ao gato uma sensação de proteção e aconchego, reduzindo a sensação de ameaça. A outra será uma espécie de 2.° recurso, caso aconteça algum acidente eliminatório (muitos gato em stresse agudo extremo defecam ou urinam involuntariamente) ou seja necessário reforçar a contenção durante a consulta. É importante levar estes utensílios de casa, para evitar ao máximo a utilização dos da clínica, uma vez que estes estão cobertos de odores desconhecidos e por isso assustadores.
6 – Dentro do carro coloque a transportadora no banco traseiro, presa com o cinto de segurança, para reduzir as oscilações ou até mesmo a queda durante a viagem. Conduza com cuidado, sem mudanças bruscas de direção e contorne as curvas de forma suave. Evite colocar o volume do rádio muito alto e não interaja com o gato se este estiver a evidenciar sinais de ansiedade (como por exemplo, raspar as paredes da caixa ou vocalizar de forma exagerada).
7 – Ao chegar à clínica, sempre que possível, deixe o gato dentro do carro, enquanto trata das burocracias de admissão ao balcão da receção e observe o ambiente da sala de espera, estudando qual o melhor sítio para o colocar enquanto aguarda vez. Cuidado com o golpe de calor, porque em tempo quente, mesmo que o carro esteja à sombra, a temperatura do interior da cabina pode ascender a mais de 50°C. Em poucos minutos, a temperatura interna do animal atinge níveis incompatíveis com a vida e a morte advém muito rapidamente. Mesmo que o dia não esteja demasiado quente, deixe sempre uma janela um pouco aberta para ventilar o interior.
8 – Se por algum destes motivos não for possível deixar o gato no carro até ao momento da consulta, permaneça na sala de espera mantendo a transportadora num sítio elevado, tapada com uma das preciosas toalhas. Evite ao máximo o contacto visual do animal com cães ou mesmo outros gatos. Há clínicas com sala de espera exclusiva para gatos, mas infelizmente esta não é a realidade para a maioria, por questões de escassez de espaço. Observe o seu animal e tente compreender as suas preferências. Alguns querem estar completamente escondidos, enquanto outros preferem observar o espaço que os rodeia, a partir de zona segura. Para estes, tape a caixa mas eleve uma das pontas da toalha, por forma a que possa avaliar o ambiente, sem deixar de se sentir protegido.
9 – Dentro do consultório, não abra imediatamente a transportadora. Deixe o gato avaliar calmamente o ambiente enquanto conversa com o veterinário e este prepara toda a logística necessária para efetuar o seu trabalho. Quando for necessário, retire unicamente a parte superior da caixa, mantendo o gato instalado na parte inferior, confortavelmente deitado na sua manta preferida. Se este estiver muito ansioso, utilize uma das toalhas para o cobrir totalmente. O profissional irá expondo apenas partes do animal, conforme o órgão ou aparelho que quer avaliar.
10 – Se possível e salvo raras exceções, nunca deixe que o gato se passeie pelo consultório. O contacto com odores estranhos, que muitas vezes denunciam o medo dos pacientes anteriores, só servirá para o amedrontar ainda mais.
Todas estas dicas são passíveis de serem facilmente seguidas e sem dúvida facilitarão muito uma experiência nem sempre agradável, reduzindo traumas e evitando situações perigosas.
Desfrute, assim, da companhia de um gato saudável e confiante…