Viajo de barco e metro numa base diária há anos, logo, arrogo-me o conhecimento especializado para dissertar sobre as peripécias e, sobretudo, as personagens que não se encontram em nenhum outro contexto ou lugar. São estas últimas que pretendo dividir por categorias, num esforço de arrumação que, quiçá, me munirá das armas necessárias para que as enfrente com mais coragem e, principalmente, pachorra:
1 – Os “desconheço o conceito de pessoas umas atrás das outras de forma ordeira”: os fura-filas para os amigos, estafermos para os restantes compinchas de viagem, acham que quem respeita filas é parvo e, não querendo ser enfiados no mesmo saco, procedem então a parvoíce alternativa;
2 – Os “levo na marmita com muito orgulho”: apenas lhes atribuo categoria porque, não raramente, o cheiro emanado pelas respetivas saladas de ovo cozido invade o meu espaço e torna a minha viagem quase insuportável;
3 – Os “ESTÁS-ME A OUVIR?! ESTOU COM POUCA REDE!”: a par dos da marmita fedorenta, estes espécimes também causam uma poluição incomodativa. Tenho percebido que procriam que nem coelhos, tamanha a quantidade de gente que grita ao telemóvel. Maldita a hora em que passou a haver rede no metro;
4 – Os “ora faça-me aqui um cafuné, pessoa desconhecida”: ainda que haja 379 lugares vagos, estes vêm encostar-se a nós como se estivessem sozinhos numa floresta com -10 graus e nós fôssemos peludos ursos de ar meigo. Só ainda não parti para a agressão, por medo de enviar alguém para o hospital, tal a minha força física e constituição musculada;
5 – Os “tentarei resumir a história de minha vida nestes 20 minutos”: há quem conte tudo, tudinho, cada pormenor, e logo às 8h30, altura em que eu só consigo grunhir e a maioria dos meus companheiros de suplício dorme, de boca aberta e a babar-se;
6 – Os “até que a voz me doa”: primos direitos dos da categoria acima, o silêncio dá-lhes fornicoques, uma espécie de comichão que só é coçada com o desfiar de palavras em barda, de preferência bem alto e nas viagens da noite, onde vai mais gente em coma de sono do que acordada;
7 – Os “Xô já daqui”: sentam-se sempre na segunda fila a contar da porta, perto da janela, e desenvolvem uma perigosa guerra psicológica contra quem ouse – ainda que obviamente de forma involuntária – sentar-se no lugar que está reservado em pensamento para si, que lá se senta desde que o barco ainda era movido a vapor;
8 – Os “a melhor invenção do mundo foi o bar cá dentro”: emborcam Minis a viagem inteira, transformando-se frequentemente nos das categorias 5 e 6.
8a – Os daqui de cima que, quando não se transformam nos das categorias 5 e 6, transfiguram-se em homens das cavernas, importunando tudo quanto é fêmea que lhes passe no campo de visão;
9 – Os “NA-NA-NA-NA-LA-LA-LA PLIM-PLIM-PLIM”: acham que toda a gente irá, com certeza, gostar da quizomba que estão a ouvir sem auscultadores, ou dos barulhinhos dos jogos do seu telemóvel. Entre estes e os da categoria 6, não consigo decidir quem penduraria pelas miudezas do alto de um edifício de 7 andares;
10 – Os “potenciais vítimas de úlceras estomacais”. Esta malta irrita-se com tudo e com todos, sendo contra a sua natureza desfrutar de uma viagem em sossego, por se azucrinar com demasiada facilidade com as idiossincrasias dos parceiros de viagem. É certo que estes falecerão primeiro que os demais, de nada lhes servindo escrever crónicas sobre o assunto, numa espécie de terapia desesperada para fintar o destino.