Eis-nos chegados novamente àquela altura do ano que mais tememos e que, a mim pessoalmente, mais agasta: os jantares/almoços profissionais de Natal envolvendo troca de prendas, que eu carinhosamente designo por “efemérides para oferta de porcaria direcionada”. Ou de como se estraga uma comemoração que poderia, de outra forma, ser bem supimpa.
Juro que tenho pequenas apoplexias quando me comunicam as regras, que se traduzem basicamente em “oferece a bugiganga menos má que, com um orçamento até €10, não vais propriamente fazer um brilharete”. Está para nascer a pessoa que consegue comprar algo por esse valor que não a envergonhe e que agrade verdadeiramente ao visado. Os truques mais batidos são reciclar prendas de anos anteriores (só tenham cuidado com livros com dedicatórias, reza a lenda que os há que rodam todos e acabam por ser ofertados novamente ao comprador original), recorrer ao bom velho truque das meias felpudas com renas, ou à não menos aborrecida caixa de bombons. Outro problema é o tendencialmente quase absoluto desconhecimento do amigo que nos calha: a velhota da contabilidade gostará de uns tacos de golfe de plástico em miniatura? O estagiário dos recursos humanos será adepto de potpourri? Arrisca-se nuns suspensórios com os dizeres Merry Xmas em purpurinas? Sacos de água quente em padrão tigresa? E quando nos calha uma pessoa com a qual até temos uma valente embirração, o chamado “inimigo secreto”? Um livro sobre os hábitos migratórios dos gnus é a minha sugestão. Todas estas decisões fraturantes acabam por ensombrar o espírito natalício, que já de si envolve uma miríade de decisões relativamente a quem nos é mais chegado.
Chegada a hora da troca propriamente dita, também não é fácil gerir aquilo que flui com normalidade entre amigos: se não gostamos, comentamos algo como “que bela trampa me compraste este ano!” e passados dois minutos já estamos a combinar a passagem de ano. Nas confraternizações com colegas de trabalho, por seu turno, convém ensaiar antecipadamente o melhor sorriso amarelo para a hora em que iremos seguramente receber mais uma vela. Ou um pastel de nata de cera (reza a lenda que a gaveta de uma cómoda da cronista alberga um destes exemplares). Ou um mini-livro com citações de auto-ajuda. Que depois no ano seguinte consideraremos oferecer, numa espécie de “passa a outro e não ao mesmo” versão Menino Jesus, mas que num rasgo de lucidez acabamos por decidir ofertar à tia avó que já está meio cheché ou à auxiliar do colégio dos miúdos, que vemos receber prendas dos outros pais, o que nos faz sentir uma tremenda vergonha por nunca o termos feito.
O enredo por vezes também inclui aquele colega que acha que o espírito consumista da época é uma autêntica vergonha, que deveríamos era considerar retiros espirituais em tendas no Butão, e não presentes embrulhados em árvores assassinadas. Para estes, sugiro a entrega de vales de ajuda a instituições de caridade, com o respetivo recibo para o IRS (reza a lenda que um terá ficado amuado, porque no fundo queria mesmo uma prenda e estava só armado em parvo).
Deixo, portanto, um apelo sincero: lutemos por um Natal sem prendas para colaboradores, associados e colegas assim no geral. Seria tudo muito mais fácil, e sempre se dava descanso a algumas crianças na China, que teriam de tricotar menos conjuntos de cachecol e gorro com focinho de Rodolfo.