A ciência caracteriza-se por formular teorias. É esse o seu objectivo último.
As teorias caracterizam-se por conter um núcleo central, relativamente rápido de formular, e, depois, um conjunto de ramificações mais ou menos extensas que ajudam a compreender as múltiplas implicações da teoria.
Quando formulamos uma teoria, devemos ser capazes de identificar esse núcleo central, e não podemos apenas enumerar as múltiplas ramificações. Ilustrei um dia esta ideia com aquilo a que chamei a “teoria do elevador”. Consistia esta no seguinte: um técnico de estudos de mercado, por exemplo, vai apresentar os resultados de uma investigação específica aos membros da direcção de uma empresa e é recebido à porta por um desses membros; sobem no elevador para o 10º andar e o anfitrião pergunta: “então, a que conclusão chegou?”; se o investigador tiver formulado uma teoria, consegue explicar o seu núcleo até chegarem ao 10º andar; se não conseguir, e se se limitar a enumerar uma série de conclusões parcelares que necessariamente ficam incompletas quando o elevador parar, é porque não tem teoria alguma.
Vem isto a propósito de achar que seria interessante identificar os núcleos dos conteúdos políticos dos vários candidatos a estas eleições legislativas de 2015. Vou apenas considerar os dois principais oponentes.
No caso da coligação PSD/CDS, diria que o núcleo da sua teorização assentou no conceito regeneração. Segundo aquilo que penso ser a ideia da coligação, o país estava à beira do colapso e foi preciso um sacrifício regenerador que acabou com o despesismo, implicou apertar o cinto e obrigou a esforços suplementares para permitir voltar a levantar a cabeça e assegurar a reinserção na normalidade.
No caso do PS, diria que o núcleo da sua teorização assentou no conceito humanização. Segundo aquilo que penso ser a ideia deste partido, a governação dos últimos 4 anos assentou em frias abstracções ideológicas, defendidas pela Troika e exacerbadas pelo governo, que apenas se preocuparam com números (défice, dívida, taxas de juro, etc.) e impuseram sacrifícios desnecessários e inconstitucionais – para cúmulo quebrando promessas solenes – às pessoas reais, que é o que verdadeiramente interessa.
Que teria eu dito, e que conceito teria eu proposto, se fosse candidato a governar?
Para começar, teria explicado que não se pode ser livre se não houver autonomia. Logo, devemos estar todos contentes por este governo nos ter tirado da bancarrota e ter conseguido a partida da Troika. Mesmo que não concordemos com os meios usados. De outra forma, não vale a pena propor teorias de governação futura, pois são os outros que mandam em nós.
Depois, não teria dedicado nem mais um minuto ao passado. A única preocupação seria o conceito que proporia para orientar as mudanças a operar na sociedade. Ou seja, uma proposta de futuro.
Por fim, pensaria que não podemos imaginar o futuro com os óculos que nos serviram para ler o passado e ainda usamos no presente, por preguiça de evoluir. Assim, teorizaria em torno de um conceito inovador relativamente à experiência passada, neste caso um conceito tão inovador que nem consta dos dicionários: meritocracia. Para mim, é esta a base da ideia de justiça social.
Posso exemplificar, referindo uma das “ramificações” do conceito: criação de uma avaliação, tão isenta e objectiva quanto possível, do desempenho (ou seja, da contribuição para o país) de todos os indivíduos em idade activa. Seguida pela retribuição de direitos em função da avaliação obtida, segundo o princípio do justo equilíbrio entre deveres (o que se dá) e direitos (o que se recebe): se alguém tem mais direitos do que deveres, outro alguém terá necessariamente mais deveres do que direitos. E esta última situação fundamenta a injustiça social.
Haveria mais “ramificações” a considerar – como por exemplo a substituição da ideia de “igualdade” (que contraria o princípio da meritocracia, uma vez que cada um deve ter o que merece) pela de “igualdade de oportunidades” -, mas acho que esta já bastava para perder as eleições.