“A minha pátria é a língua portuguesa”, afirmou um português célebre, porventura um dos candidatos mais consensuais ao título (ideia tola) de maior português de sempre. Chamava-se Fernando Pessoa, e não sei qual era a parte dele – porque todos temos muitas partes, mas ele exibiu-as de forma expressiva – que tinha esta opinião. Sei que colocou estas palavras na boca de Bernardo Soares, mas isso não adianta muito em relação à hipótese de saber até que ponto sentia o que fez o outro dizer. Sei que explicou que se estava borrifando para o facto de o país ser invadido e conquistado por outros, desde que não tocassem na língua portuguesa.
No entanto, o poeta mostrou bem o seu patriotismo em relação ao país – porque o anterior era em relação à língua – numa epopeia poética saudosa dos Descobrimentos, constante no único livro que, segundo sei, publicou em vida (Mensagem).
Mas o meu propósito é falar do presente. Nas entrevistas, debates e similares que tenho ouvido para a campanha eleitoral das legislativas de 4 de Outubro, o patriotismo é um tema recorrente. Até o líder do Partido Comunista (para não falar dos cartazes do MRPP) fala de patriotismo a cada três minutos, referindo um conceito que considero um absoluto paradoxo: o “patriotismo de esquerda”. Entrevistado por Ricardo Araújo Pereira, este foi mortal, e perguntou: “quer dizer que a seguir à pátria vem a defesa de deus e da família?”
Há 40 anos, quando eu andava nessas guerras, a ideologia comunista mundial falava de “internacionalismo proletário”. A ideia de pátria era uma ideia de direita, como deus ou a família – o RAP não inventou nada. Porém, hoje, mesmo as pessoas de suposta esquerda são patrióticas. Talvez por não serem de esquerda.
O que penso ser verdadeiramente relevante é o facto de ninguém ter percebido – ou, pelo menos, assumido – que foi essa mentalidade “patriótica” que nos conduziu ao beco sem saída em que nos encontramos perante o fenómeno de um movimento maciço de refugiados, para não falar dos migrantes económicos (aliás, a dada altura, a diferença vai ser difícil de observar). A Europa não tem reflexão. A Europa não tem uma ideia filosófica globalizante sobre o mundo e sobre a sociedade moderna. É uma manta de retalhos. Explico-me: é uma manta velha, que vai sendo remendada à medida que se vai rasgando. É uma mentalidade de séculos (os Descobrimentos foram há 5), difundida por papagaios que pensam ser inteligentes ao adaptarem-se, à custa de golpes de rins, a uma realidade que está sempre à sua frente. E assim vamos todos andando, alegremente, até ao estoiro final. Para mim, presenciamos o fim da hipótese europeia de salvar o mundo.
É uma Europa que continua preocupada com a percentagem de jovens que entram e saem da escola, ou que atingem o grau A ou B, sem se ralar com o fundamental: elevada escolaridade e ausência de abandono escolar – ideias com as quais concordo totalmente -, para lhes ensinar o quê? O que nos ensinaram a nós e deu o resultado que está à vista?
É uma Europa que continua preocupada com a baixa natalidade, quando, no mundo, existem milhões de crianças a morrer todos os anos e uma explosão demográfica que nos pode levar aos 12 mil milhões e rebentar com o planeta.
É uma Europa que continua a basear todos os discursos num crescimento económico mítico, sem perceber que a única atitude inteligente é começar a conceptualizar um modelo harmonioso de decrescimento.
É uma Europa que destila patriotismo por todos os partidos, que se aterroriza com a hipótese de albergar 500 mil refugiados, o que constitui um por mil da sua população (se fossem 5 milhões de refugiados, seria apenas um por cento da sua população). E que treme por serem muçulmanos, ortodoxos, hindus ou budistas.
Acho que vou parar.
Deveríamos pensar que a nossa pátria é o planeta Terra. Que o nosso deus é a humanidade, o humanismo, o que significa o privilégio do individualismo, da liberdade individual, dos direitos e dos deveres de cidadania e do respeito pelos outros. E que a nossa família são os homens. Ser de esquerda, senhoras e senhores que querem ter bons resultados nas eleições, é colocar o homem e a individualidade humana acima de todos os colectivos, a começar pelo da pátria.