Num excelente artigo publicado na primeira VISÃO do mês, João Magueijo – pessoa por quem tenho uma enorme admiração – contou uma série de histórias engraçadas a respeito dos cientistas “malucos”. Muitas outras se poderiam contar. Lembro a história que o Jacques Bergier conta do Cavendish: como era um misantropo, o sábio – impulsionou a Física e a Química de forma excepcional nos finais do século XVIII – arranjava sempre maneira de não se cruzar com a empregada; um dia deixou-lhe uma missiva que dizia: “vou ter convidados para o jantar e preciso de três pernas de borrego assadas; como não sei quantas pernas tem um borrego, queira, pf, comprar os borregos necessários”.
Magueijo, que é um cientista de excepção e não me parece ter nada de “maluco”, chama a atenção para o facto de a criatividade necessária à ciência ter muito a ganhar com um modo de pensar “desregulado”, onírico, fantasioso. A certa altura, associou uma ideia de infância (de uma certa infantilidade), mas depois emendou a mão, pois, de facto, uma coisa não tem, na minha opinião, nada a ver com a outra.
O meu primeiro comentário pretende alargar o conceito de génio e assinalar que o mesmo se passa com os artistas (ou muitos deles), nas mais diversas áreas.
O segundo comentário visa explicar a minha perspectiva a respeito da tese essencial de Magueijo. De facto, julgo que há duas questões a considerar nas causas do estereótipo do “cientista louco”.
A primeira resulta de estes cientistas de “alta competição” serem totalmente absorvidos pelo seu trabalho. Isto é, precisam, frequentemente, de não pensar noutra coisa. No caso dos artistas, passa-se um pouco o mesmo. Mesmo que não precisem, não querem pensar noutra coisa. Mas, no caso dos cientistas, é mais natural que assim seja, uma vez que têm algo para descobrir, para compreender, e enquanto não o conseguem não descansam. Por isso, não se interessam por nada que os rodeie. Nem, muitas vezes, pelos familiares.
A segunda ideia é mais teórica. Tanto os cientistas – cuja tarefa é compreender o que os outros não conseguem -, como os artistas – que imaginam um mundo “outro”, transfigurado -, como os doidos – que vivem num registo totalmente paralelo -, têm como característica comum possuírem modos de funcionamento mental diversos do homem comum. Einstein disse-o, explicando que para resolvermos um problema precisamos de adoptar um enquadramento mental totalmente diferente daquele que deu origem ao próprio problema. Ou seja, tanto os cientistas, como os artistas, como os doidos, fazem coisas diferentes dos outros, coisas que os demais não fazem ou fazem de forma diversa. Funcionam em função de uma lógica que, para os outros, pode, obviamente, não ser lógica.
O terceiro comentário tem como objectivo alguma prudência. Vamos admitir que ser meio enlouquecido pode coincidir frequentemente com a genialidade. Mas temos de reconhecer que os maiores génios de todos não foram doidos nem excêntricos. Bach foi quase um abade cheio de filhos. Ao Rembrandt não escapavam nem uma boa farra nem umas miúdas giras. O Dostoiévski foi um escritor “engagé” e revolucionário, deportado, preso e pseudo-fuzilado (fingiram que o fuzilaram, com pólvora seca). Portanto, o doido não era ele.
Queria, assim, concluir alertando para uma certa pose, que entretanto foi criada, que sobrevaloriza a originalidade. Não quero ser mal compreendido: essa originalidade é fundamental, quer para os artistas, quer para os cientistas. Mas ela deve residir no trabalho, na obra, e não no comportamento. Por outras palavras, há muitos candidatos a génios que querem ser reconhecidos como tal e usam essa pose exterior para poderem “entrar no meio”. Assim, criou-se frequentemente a ideia de os grandes génios, tanto artistas como cientistas, deverem ser meio “doidos”, distraídos até ao exagero ou excêntricos. Não estou a querer dizer que não existam doidos que sejam génios. Mas há uma grande diferença entre ser génio por se ter um comportamento muito original e completamente diferente dos demais, e nesse caso ser maluco dá jeito, e ser génio por se ter produzido uma obra de dimensão superlativa, científica ou artística, e nesse caso não é certamente necessário ser amalucado. Basta a obra.
Os grandes homens são genuínos, autênticos. Mesmo, se assim for o caso, na sua loucura. Não precisam de poses para dar nas vistas. É o caso de João Magueijo.