Já aqui expliquei que evito escrever sobre política. Por várias razões que agora não interessam. Por isso, tenho evitado escrever sobre a tragédia grega. A contemporânea, claro. Mas vou fazer uma excepção hoje.
A propósito dos “erros das sondagens”, que inundam os jornais e as televisões quando a ignorância de jornalistas, comentadores e até dos próprios “sondómanos” transborda, o Paulo Chitas fez um artigo na Visão, para o qual me entrevistou. Mas sinto que não fui capaz de me explicar plenamente. Coisa que normalmente só acontece quando escrevo. Como dizia o Aragon, penso porque escrevo e não escrevo porque penso.
Rapidamente, o tema menor: as sondagens traduzem o que se passa num determinado momento. É como a descrição de um petisco que estou a saborear. Só por sorte consigo prever o sabor de um petisco que vou comer amanhã. Alguns pensam que o que os eleitores dizem hoje é idêntico ao que se passará daqui a uma semana. Mas não é. Por várias razões, a começar por eu estar hoje a falar com um universo de gente, os eleitores, que não coincide com o que votará daqui a uma semana, os votantes. Mas a maior das razões não é essa. É bem mais simples: as pessoas mudam de opinião. Pergunta do sujeito que se veste com a roupa do avô: “mas esses troca-tintas não são uma excepção”? Não.
Passemos ao tema maior: por que razão as pessoas mudam tanto de opinião? Há duas explicações que gostaria de assinalar.
Primeiro, e de novo, a menor e mais rápida. É uma resposta técnica: a mudança de opinião não se processa tão frequentemente assim; a maior parte das vezes, passa pela abstenção. Ou seja, não existe uma parte muito substancial de eleitores que decidem abandonar o PS para votar PSD; apenas acontece que, nesse exemplo, muitos eleitores PS se absteriam e muitos abstencionistas votariam PSD. Basta isto para alterar os resultados do voto em relação à sondagem da semana anterior.
Mas a principal razão daquilo a que podemos chamar “volatilidade do voto” é o esvaziamento da política.
A política começou por ser um modo de pensar a sociedade mais justa, mais perfeita. Envolvia ideias, ideais, filosofia, ideologia e essas coisas estranhas. Existia então a Política. Nessa altura, um homem era socialista ou monárquico com todo o seu sangue. Ficaria profundamente ofendido se lhe dissessem que era democrata-cristão ou republicano. O meu avô suicidar-se-ia se o convencessem de que alguma vez votaria num partido que não era o seu. As pessoas “eram” de partidos como hoje ainda “são” de clubes de futebol.
Entretanto, a Política esvaziou-se e deu lugar à política. Que quer isso dizer? Que deixámos de falar de ideias filosóficas e passámos a pensar o fenómeno político a partir da economia. O que é uma variante de pensar com a barriga. Assim, somos de direita ou esquerda em função do peso do Estado na economia, em função de nacionalizações ou privatizações. Mas como o sistema económico global é sempre o mesmo – a economia de mercado – e o sistema político global também – a democracia parlamentar -, resta muito pouco para discutir. Os únicos que ainda trazem ideologia a sério para a conversa são os “syrizas”, de inspiração marxista, certamente (se a inspiração marxista for autêntica) mortinhos por acabar com a economia de mercado e a democracia parlamentar. Isto, apesar de precisarem do dinheiro dos “ricos” e de tentarem usar, para chegar ao poder, a democracia que depressa acabaria quando se implantasse a ditadura do proletariado. Mas depois existem exemplos como este da Grécia, inqualificável de leviandade ideológica, apesar de muitos dos bem-pensantes nacionais continuarem a achar que se valorizam ao promover a sua associação à nostalgia grega de há 2.500 anos. Rigorosamente na mesma linha dos seus contrários, nostálgicos do nosso império de há 500 anos.
O mundo da política está, hoje, esvaziado. Interessa o poder, a pose, o dinheiro. Os eleitores não acreditam nos partidos, mas, quando muito, nos candidatos. Ou seja, discutem-se pessoas. Não se discutem grandes ideias, mas pequenas coisas.
Por isso, é natural que a volatilidade do voto seja muito grande: as opções eleitorais passaram, também elas, a depender de pequenas, irrelevantes, coisas.