A maior manifestação que alguma vez vi em Portugal, não sendo nascida em 1974 nem em 1975, foi a de 15 de setembro de 2012, chamada “Que se lixe a Troika!”. O que a espoletou teria sido, aparentemente, a vontade do governo de Pedro Passos Coelho de aumentar a TSU – Taxa Social Única para os trabalhadores, diminuindo a dos patrões.
Entre um milhão de pessoas numa ação popular em que muitos recordaram o 1º de Maio de 1974, lembro-me de pensar: “Mas esta gente toda sabe o que é a TSU?” É certo que a pagamos todos os meses, mas no mundo intrincado da Segurança Social, sabemos a percentagem total, qual a parte dos trabalhadores por conta de outrem e a dos patrões, qual a taxa dos trabalhadores independentes? O que indignava tanto a população ao ponto de ter uma reação tão avassaladora?
Na verdade, a TSU era só uma gotinha que faria transbordar o copo. Um copo cheiíssimo de medidas de austeridade, entre as quais os muito gravosos cortes salariais dos funcionários públicos, que nesse ano ficaram sem subsídio de Natal e de férias, tal como os pensionistas.
O contexto económico, 13 anos depois, é todo outro. Mas esta greve geral vai servir para testar o grau de paciência dos portugueses com o Governo de Luís Montenegro. E desengane-se quem acha que a greve deste dia 11 de dezembro mostra apenas descontentamento com as propostas de alteração do Código de Trabalho que prejudicam os contratos coletivos com desvantagem para o trabalhador. Tantas profissões sem contrato coletivo, desreguladas, na selvajaria das plataformas tecnológicas de serviços, que já nem se sabe bem o que é um trabalhador.
Não são minudências, mas a discussão torna-se demasiado técnica para impulsionar uma vaga de protestos. O que leva as pessoas à greve (ou não) é a tal gotinha decisiva que provoca a inundação, um cansaço de tudo e não só de propostas laborais, um protesto contra a inação política em áreas sufocantes como a habitação, os transportes, o custo de vida, os salários, sim, e contra o ar que vai ficando irrespirável para certos grupos sociais, como as mulheres e os imigrantes.
No Parlamento, Luís Montenegro voltou a perguntar: “A questão que se coloca, e é séria, é esta: uma greve geral porquê? Uma greve geral para reclamar o quê? Do Governo e do poder político.” E tem razão. Mas isso não devia deixá-lo mais descansado nem ser motivo de contra-argumentações parlamentares. É motivo para ouvir e refletir, em vez de repetir à exaustão que “a greve não faz sentido”.
Não é só nas urnas que se ouvem os portugueses. Estamos a viver melhor? Conseguimos com o nosso salário pagar casa, contas, alimentação, transportes e umas férias de vez em quando, que também são precisas? Conseguimos ter tempo para os filhos ou pagar-lhes os estudos? Vai o País ficar melhor se trabalharmos mais em horários flexíveis, semanas de 50 horas, mais contratos a prazo, despedimentos simplificados para depois se contratarem pessoas em outsourcing? Vai a nossa vida melhorar se formos obrigados a trabalhar à noite mesmo tendo crianças para cuidar?
Vamos reclamar do quê? Há perguntas que são balas e quem as faz talvez não esteja à espera das respostas que recebe.