O número impressiona, mas ninguém sabe realmente quanta gente há no mundo. No entanto, mais para aqui ou mais para ali, andamos perto das 8 mil milhões de pessoas no planeta Terra. Pelo meio das dúvidas, as Nações Unidas decretaram simbolicamente esta última segunda-feira como o dia em que a humanidade atinge esse número. No mesmo momento, as 20 economias mais ricas do mundo discutem na Indonésia e Lisboa vive protestos estudantis contra as alterações climáticas. Como dizia o Sérgio Godinho, isto anda tudo ligado.
Começando pelos números, há um retrato suculento de dados sobre a evolução demográfica da Humanidade. Quando atingimos mil milhões, por volta de 1804, Beethoven estreava em Viena a sua Terceira Sinfonia e a morfina acabava de ser descoberta; quando atingimos sete mil milhões, Barack Obama acabava de chegar ao poder. Uma mera dúzia de anos depois, temos mais mil milhões de pessoas.
Daqui para a frente, há cenários divergentes no valor certo, mas que coincidem quase todos na tendência: a população mundial vai continuar a crescer, ainda que mais lentamente, até haver de seguida um movimento de algum decréscimo, mais perto do final deste século.
Vendo ao pormenor, esta explosão demográfica tem menos a ver com as taxas de natalidade do que com o aumento da esperança de vida e a descida da mortalidade infantil, graças à melhoria dos cuidados de saúde. Por outro lado, há uma correlação entre o acesso das meninas à educação e uma menor taxa de natalidade de um País.
E, já em 2023, teremos uma outra novidade, algo inédito em séculos: a China será ultrapassada pela Índia como o país mais populoso do mundo.
Em Bali, na Indonésia, o encontro do G20 (que representam 80% do PIB Mundial e 60% da sua população) foi dominado pela questão da invasão da Ucrânia pela Rússia, com Sergei Lavrov a repetir os mesmos argumentos fantasiosos de sempre e Vladimir Putin naturalmente ausente. Outros temas marcantes foram a inflação, as tensões políticas entre o “Ocidente” e a China e os custos da energia. É verdade que o G20 é um órgão político de caráter eminentemente económico, mas é de salientar, ainda assim, o pouco espaço que a questão climática ocupou na agenda. Com mísseis a cair hoje na Polónia, é difícil dar atenção ao futuro.
Por cá, neste cantinho demograficamente deprimido, representantes dos estudantes que ocuparam algumas escolas em Lisboa, em protesto contra a inação climática, foram recebidos por António Costa e Silva, no Ministério da Economia.
Este tinha sido convidado a assistir a uma “palestra” sobre alterações climáticas, no ocupado Liceu Camões e tendo como palestrantes os próprios alunos, mas recusou. Fez bem em não participar na armadilha populista que lhe criaram, até porque dos argumentos que temos ouvido aos “ocupas climáticos” sobra em slogans bem intencionados o que falta em solidez científica. Enquanto a delegação ativista era recebida na Rua da Horta Seca, a três dezenas de metros realizava-se uma manifestação com o nome de “Parar o Gás/Fora Costa Silva”.
A equação é simples de enunciar mas difícil de resolver. Como vamos alimentar oito ou nove mil milhões de bocas num planeta cujas condições climáticas estamos a deteriorar de forma acelerada? Por outro lado: como vamos decretar o fim abrupto do recurso às energias fósseis quando muitos países subdesenvolvidos dependem quase exclusivamente das receitas delas para sobreviver?
O que nos leva à questão inicial deste texto, e que se prende com a defesa que os ativistas climáticos fazem do fim do capitalismo como forma de travar a degradação da terra.
Olhando para as alternativas de sistemas económicos, o track-record ambiental não é desfavorável ao capitalismo. O que acontece é que este tem um problema de base, por assentar no crescimento potencialmente infinito de produção e de consumo, incluindo para além dos que são os limites “naturais” do planeta. Basta dizer que se todos os 8 mil milhões da Terra tivessem o mesmo padrão de consumo que os Estados Unidos da América, seriam necessários quatro planetas para o suportar. Não é possível.
Acontece que o capitalismo trouxe muitas coisas boas (e nem falo do conforto de que não estamos, na verdade, disponíveis para abdicar): o aumento da esperança média de vida (e o consequente aumento da população) deveu-se em boa parte a este sistema; da mesma forma que as soluções que contribuem para a transição energética, como os equipamentos de energia verde, foram criadas e evoluíram exponencialmente porque as empresas viram aí uma grande oportunidade de negócio, embaladas naturalmente por políticas públicas favoráveis.
Quer isto dizer que o capitalismo, por si, resolverá o problema? Claro que não. Até porque o capitalismo tem muitas matizes e, na sua forma mais “pura” e mais “selvagem”, acelera a desigualdade e, mais tarde ou mais cedo, acaba com o planeta, incluindo com os capitalistas. É preciso regras e que os Estados não confiem excessivamente na “mão invisível”, cumprindo a sua função de reguladores, legisladores e criadores de políticas públicas que limitem os excessos do capitalismo.
Mas acredito que o capitalismo, juntamente com o papel dos Estados, vai ser um dos principais agentes que acabará por salvar o planeta. Infelizmente, os objetivos de limitação da subida da temperatura parecem já fora de alcance. A situação vai necessariamente piorar antes de poder melhorar. E aí a tecnologia – criada pelo capitalismo, voilá – terá uma missão fundamental no combate às alterações climáticas.
Isto não quer dizer que devamos colocar a fé na tecnologia futura e não fazer nada. De todo. Até porque a tecnologia pode ser muito boa mas poderá não resolver tudo, ou chegar demasiado tarde. Aquilo que teremos de pedir à tecnologia depende do estado a que permitirmos que as coisas cheguem.
É por isso que devemos agir na transição energética, como temos feito mas com velocidade acrescida, mas não colocar a questão no estafado slogan do fim do capitalismo.
É certo que os estudantes ativistas do clima não oferecem soluções, focam-se em coisas pífias (como o pedido de demissão de Costa Silva), são mais próximos de alguns partidos do que a sua alegada inocência e espontaneidade levariam a crer e sim, alguns só se querem baldar às aulas. Mas, que diabo!, não estamos sempre a dizer que as gerações mais novas não se mobilizam para nada e vivem dentro dos ecrãs que têm à frente? E qual é a novidade dos jovens agirem como se soubessem tudo e os mais velhos nada? Será exigível que tenham argumentos científicos ou até uma total coerência de atuação? Já nos esquecemos do velhinho slogan do Maio de 68, que proclamava “Sejamos realistas: exijamos o impossível”?
Nem tanto ao mar, nem tanto à terra. Uma coisa parece certa: ou o capitalismo encontra forma de salvar o planeta ou o planeta acaba connosco, e o capitalismo vai junto. E isso seria mau para o negócio.