Após uma década sob uma acentuada crise político-económica, em que o setor do imobiliário e construção registou perdas acumuladas na sua contribuição para o emprego e para o PIB na ordem dos 50%, iniciou-se em 2017 um ciclo de 4 anos com Portugal a crescer acima da UE, algo que já não acontecia desde o século passado, tendo alcançado em 2019 o primeiro superavit em democracia.
Criadas as melhores expetativas para um crescimento sustentado do setor nos anos vindouros, por força do investimento público e privado, chegou em 2020 a pandemia e em 2022 a guerra na Ucrânia, que trouxeram consigo vários desafios impactantes na atividade económica, destacando-se o défice causado nas cadeias de produção e abastecimento de matérias-primas (e.g. para alimentos e materiais de construção) e de energia (e.g. eletricidade e gás natural).
Esta realidade, embora em parte de caráter estrutural como é o caso da crise energética, considerando ainda uma evolução mais otimista do mercado face ao previsto mediante a pandemia, acabou por gerar, de forma sistémica, um desequilíbrio excessivo entre a procura (elevada) e a oferta (reduzida), levando assim a uma acentuada subida generalizada dos preços dos bens e serviços (inflação), que na zona Euro e em Portugal já atingiu o máximo histórico de 9 % (contra os desejáveis 2%) – ou seja, face ao período homólogo do ano passado, os bens e serviços ficaram 9% mais caros.
Não obstante uma inflação moderada poder ser favorável por questões macroeconómicas relacionadas com o ajustamento de preços e salários relativos e taxas de desemprego, tal implica naturalmente a perda de poder de compra, caso os rendimentos não aumentem em proporção, e, se excessiva, o adiamento de decisões de investimento, na expetativa de que os preços desçam, mesmo perante uma possível degradação do valor das poupanças.
A inflação pode ser gerida determinando o preço do dinheiro, ou seja, através de taxas de juro, algo que constitui uma responsabilidade primária dos bancos centrais (bancos dos bancos), que definem taxas de referência para emprestar dinheiro a bancos comerciais, que por sua vez refletem essas taxas nos juros a cobrar a particulares e empresas. Neste sentido, para os países da UE, o Banco Central Europeu (BCE), com vista a controlar as expetativas de inflação e a tornar o crédito mais caro para retrair a procura (consumo e investimento) e fazer cair os preços, tem vindo a aumentar significativa e consecutivamente as taxas diretoras, quebrando assim um ciclo de 10 anos de valores anormalmente baixos para injetar liquidez nas economias e estimular o crescimento, inclusive ao abrigo de programas de apoio do BCE como o Pandemic Emergency Purchase Programme (PEPP).
No imobiliário, até recentemente, a maior facilidade de crédito à habitação e o aumento da poupança, conjugado com a dificuldade em construir e reabilitar mais e mais barato por questões de licenciamento (processos morosos) e custos de investimento (elevados custos de construção, fiscais e burocráticos), tem justificado uma tendência global de crescimento dos preços das casas, pelo elevado défice de oferta face à procura. Por força da inflação, que tende a diminuir a capacidade das famílias, e da alteração das condições de financiamento, acredita-se que este crescimento possa abrandar no médio/longo prazo, em particular no segmento médio/baixo, dado que o segmento médio/alto tende a ser impulsionado por estrangeiros com elevado poder de compra, e que o número de transações diminua.
As decisões de investimento tornam-se assim mais complicadas, principalmente perante a necessidade de financiamento e face à incerteza sobre a evolução da inflação e dos custos de investimento, pese embora, havendo liquidez disponível, possa compensar investir para arrendamento de longo prazo, com as rendas acompanhando as variações da inflação, ou para compra e venda no curto prazo. Deste modo, temas como a habitação acessível para promover a inclusão social e territorial, ao abrigo de programas como o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) ou a Nova Geração de Políticas de Habitação (NGPH), são cada vez mais difíceis de se tornar uma realidade.
Este panorama tem levantado vários desafios ao setor do imobiliário e construção, que histórica e reconhecidamente já se depara com vários problemas sistémicos ao nível do investimento (e.g. excesso de carga fiscal e burocrática; a falta de capacidade administrativa, de justiça e estabilidade política) e da indústria (e.g. elevada fragmentação e volatilidade; baixa produtividade; falta de inovação, formação e qualificação; concorrência centrada no preço e falta de regulação; endividamento e falta de liquidez). A isto somam-se problemas conjunturais como a falta de planeamento e calendarização dos projetos públicos alvo de financiamento para o horizonte 2030 e a falta de capacidade de execução das obras dentro dos custos e prazos estimados, em parte devido ao défice de mão-de-obra e materiais de construção.
Posto isto, nota-se que a implementação de políticas monetárias restritivas, que passam pelo aumento de taxas de juro com impacto em vários ativos financeiros (mercado de ações, de obrigações, e da dívida), para estabilizar preços, não são de resultado imediato e tendem a ser muito arriscadas, destacando-se, além da contração no consumo e investimento e consequente inibição do crescimento económico, um maior risco de incumprimento do serviço da dívida, não só de particulares e empresas, mas também do estado, o qual perante uma dívida já elevada acarreta com um maior impacto dos juros, algo que acabará por repercutir em mais impostos para os contribuintes. A este nível, observa-se também que Portugal foi recentemente destacado como um dos países da OCDE em maior risco de bolha imobiliária, mesmo perante um rácio de loan-to-value (relação entre o valores do empréstimo e do ativo adquirido) relativamente controlado para a maioria dos créditos à habitação.
Promover fortemente a produção industrial e de energia está entre as medidas que deveriam ser tomadas para combater, a médio/longo prazo, a parcela estrutural da inflação, juntamente com a redução do endividamento público e privado para reduzir o nível de exposição e mitigar os seus efeitos nefastos na economia.
Reza a história de vários países, incluindo Portugal, que períodos de crescimento com inflação galopante, tentadamente combatida com políticas severas, são propensos a ser seguidos de períodos de recessão económica, não obstante haja sempre alguém afirmando que “desta vez, é diferente”. A questão que se coloca é se, desta vez, será mesmo diferente e em que medida, para melhor, ou para pior?