Na celebração do Dia Mundial dos Direitos da Mulher, é típico falar-se da participação das mulheres na política. E quando se discute a participação de mulheres na política é quase inevitável falar-se da Lei da Paridade (ou das “quotas”, como é conhecida). Esta é uma lei que é tanto criticada por “fazer demais” – por quem considera que desvirtua as regras da meritocracia – como por “fazer de menos” – por quem defende uma paridade de 50/50, a imposição da substituição de uma mulher por outra ou a garantia de que os primeiros lugares seriam ocupados em alternância de género.
A argumentação da meritocracia é o caso óbvio do tipo de situações em que os “problemas” ao aplicar uma lei justificam a sua existência: muitas estruturas partidárias mais pequenas tinham pouca participação ativa de mulheres e viram-se obrigadas a incluir nas suas listas mulheres menos participativas, para o desagrado dos homens que viram o seu lugar na lista a piorar em consequência. Temos por isso a situação em que vários homens se queixaram de ter dificuldade em integrar mulheres numa lista porque havia poucas mulheres a participar, reclamando, assim, de uma lei que procurava fazer com que… houvesse mais mulheres a participar.
Mas este não era um texto a criticar a Lei da Paridade? É sim, mas não pelos motivos tolos da meritocracia, que mereciam bem mais do que um parágrafo. Mas isso terá de ficar para a próxima. É um texto a criticar a Lei da Paridade porque, mesmo quando é aplicada, faz pouco por garantir a verdadeira participação política das mulheres. Quero com isso dizer que não devíamos ter a Lei da Paridade? Não! Quero, sim, alertar para o facto de esta conter medidas claramente insuficientes. Há inúmeros motivos pelos quais a considero insuficiente, mas queria focar três:
REDES INFORMAIS DE PODER: O principal motivo pelo qual as quotas não produzem os resultados esperados é que a inclusão de mulheres em órgãos de poder não lhes dá necessariamente… poder. Há o caso, que já mencionei, de algumas mulheres que não participam ativamente nas estruturas políticas e, contudo, são colocadas nas listas para satisfazer as quotas, não sendo depois devidamente envolvidas nas atividades, o que deturpa o objetivo da lei. Mas mesmo nos casos em que mulheres estão nos órgãos e querem e conseguem participar ativamente nas atividades políticas, nada lhes garante que estão realmente dentro das redes informais de poder – o que, muitas vezes e infelizmente, é o que realmente importa.
O que é isso das redes informais de poder? A forma mais simples de explicar é dando exemplos: são as pessoas a quem os líderes da estrutura ligam quando acontece algum problema; são as pessoas que sabem que vão aparecer listas de oposição ao poder estabelecido antes de elas serem publicadas para votação; são as pessoas com quem se discute a formulação de listas e as nomeações para cargos meses antes de haver necessidade de sequer formular convites. E não, não há quotas para isto.
E agora perguntam: Mas não é para isso que há grupos de mulheres nos partidos? Não podem criar as suas próprias redes informais? Por muito que sejam uma boa iniciativa e tenham algum poder institucional, esses grupos de mulheres acabam por não ter, na maior parte das vezes, um verdadeiro e real poder. E isto, frequentemente, tem também como consequência negativa surgirem grupos de mulheres contra mulheres, porque os seus órgãos também são eleitos democraticamente.
FATORES SOCIOPSICOLÓGICOS DAS MULHERES: Já vários estudos indicaram que as mulheres precisam de ter muito mais qualificações para se sentirem confortáveis a candidatar-se ao mesmo anúncio de emprego que um homem ou que os homens se sentem mais à vontade para pedir um aumento ou uma promoção no trabalho do que uma mulher. Não entrando no detalhe do por que é que isto acontece, a verdade é que tem um impacto muito significativo na atividade política, pela forma como as lideranças das estruturas partidárias são eleitas.
Para alguém ser eleito para liderar uma estrutura num partido político, precisa de criar uma lista e de ter votos, mas, antes de isso tudo, precisa de se autoidentificar como candidato. É verdade que, às vezes, é uma decisão de grupo (dos tais grupos informais de poder), mas, na grande maioria dos casos, um candidato a um órgão de poder é alguém que se coloca a si próprio nessa posição – e com muito trabalho prévio. Não é um acidente, um acaso, mesmo que os protagonistas insistam que sim. Assim sendo, acho que se torna óbvia a dificuldade que não é combatida pelas quotas: termos mulheres nas estruturas políticas que se coloquem na posição de serem candidatas. E por que é que seria importante haver mulheres candidatas a posições de liderança? Em primeiro lugar, seria a melhor forma de resolver o problema anteriormente referido das redes informais de poder: as mulheres em liderança tendem a ter equipas e redes informais de poder mais mistas, enquanto os homens tendem a ter redes informais de poder maioritariamente (para não dizer totalmente…) masculinas.
PARTIDOS SÃO PARA OS “PAIS” E NÃO PARA AS “MÃES”: Ponto inicial óbvio – há pais tão ou mais presentes do que as mães; como em tudo, há exceções que confirmam a regra. A verdade é que as reuniões e atividades partidárias são maioritariamente em horário pós-laboral, muitas vezes pela noite dentro, em dias de semana. Num cenário em que tanto o pai como a mãe estão num partido político ou em que a mãe está num partido político e o pai quer ir jogar à bola com os amigos, muitas vezes é a mãe que acaba por abdicar da sua atividade para ficar a tomar conta da criança. Não é por acaso que em vários partidos, nas reuniões de ativistas feministas, (p. ex. na luta pelo direito ao voto) havia “creches” na sala ao lado da sala das reuniões.
Há inúmeros outros motivos que não mencionei pelos quais a participação das mulheres na política não consegue ser só resolvida por via quotas – por exemplo, as mulheres serem consideradas “histéricas”, “bossy” ou “com falta de sexo” por atividades que fariam um homem merecer os epítetos de “bom orador”, “líder” ou “big-dick energy” –; julgo, no entanto, que estes três já merecem uma séria consideração por parte dos partidos porque, sem os resolver, não há quotas que nos valham.
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