Nesta manhã em que vos escrevo, uma daquelas alminhas que inauguram a democracia pela fresca falando alto no café explicava que “isto”, afinal, não ia ser tão mau como “na Troika”. Isso, sim, é que foi a grande crise das nossas vidas.
Fiquei calado, como no velho conselho de Mark Twain, a achar que se calhar precisamos mesmo de educação para a “cidadania”, que isto da pandemia já nos está a pôr uma máscara à frente dos olhos maior do que a que tínhamos antes.
A grande crise de há dez anos era uma crise bancária numa dúzia de países desenvolvidos em que nós fomos um mexilhão. Isto é uma contração global brutal que ninguém sabe como vai acabar. Sabemos só, lapalissianamente, que, quando para a circulação de pessoas, os países que precisam de turismo mais do que os outros, como nós, sofrem mais do que os outros…
Ninguém acreditava ou adivinhava nada disto há um ano, mas é a vida que temos. Não é uma experiência social, um episódio do Black Mirror do qual acordamos já a seguir – é uma tragédia. Quando acabarem os layoffs, as moratórias bancárias e o setor público (onde está sem perda de rendimento metade das pessoas) for atingido, vamos ver que o desemprego e a dívida, que já batem recordes, mesmo com todos os disfarces, são só a barbatana do tubarão em que estamos montados.
E se não houve – por definição não há, certo? – intervenção nos milagres, podíamos, talvez, (por cidadania?) exigir agora um Governo que cumpra os mínimos naquilo que todos sabemos que faltava fazer há vários meses.
Era preciso, repetia-se antes do verão, preparar a Direção-Geral da Saúde para acudir muitas necessidades, garantir a cobertura política das suas decisões e preparar o regresso a toda a vida possível, dentro e depois da trégua que sabíamos que a doença daria no verão.
Desde logo, era preciso garantir que, ou por dentro ou com ajuda, a Direção-Geral da Saúde, que é a face visível das decisões que agora em tudo comportam excecionalidade, podia ser coerente, respeitada e responder às mil solicitações diferentes para que a vida funcione. Era evidente que ia ser precisa para tudo e um par de botas, que nada reabriria ou voltaria a funcionar sem regras. Para isso eram precisas mais pessoas, mais competência, mais rapidez. Nada disso aconteceu.
Nesta semana, a confusão do regresso à escola deixou para trás outras evidências. Dos lares onde continua o grande foco à prática do desporto, na cultura, para onde quer que nos viremos, o Governo como um todo foi incapaz de produzir um quadro coerente de decisões que nos façam sentir orientados, quando era quase só disso que se precisava.
Às vezes parece de propósito, como no caso da Festa do Avante!em que o PCP levou à letra o novo desígnio histórico inaugurado em 2015. Ser o para-raios do PS, atraindo a revolta que atrai os que deviam estar a fazer oposição ao Governo.
António Costa, em plena pandemia, lá inventou uma crise com os médicos por não gostar de um relatório que em nada foi desmentido no seu chocante conteúdo (mas que assim se esqueceu) e acabou o mês a inventar uma crise política para aproveitar a fraqueza do PCP e entalar o Bloco de Esquerda. Que vai obedecer, já agora. E, claro, pelo meio deu várias entrevistas. Como nem todas correram bem, anunciou, com antecedência de 15 dias, o artifício de uma contingência que ainda não se sabe o que é. Até agora só serviu para afugentar os turistas por quem nos estendemos o verão inteiro…
Os que se queixam de Trump e de Bolsonaro parecem ver em Costa um estadista até quando se torna óbvio que o ritmo dos testes passou a ser o mesmo contra todas as recomendações sobre o conhecimento dos assintomáticos para travar a pandemia. Lá está, faz muita falta a educação para a exigência. Alguma oposição ajudava, mas parece que ficou o verão inteirinho à espera da Festa do Avante!. Como diz Katia Aveiro, #Deusnocomando.
(Opinião publicada na VISÃO 1436 de 10 de setembro)