“Quem conseguiu que não houvesse maioria absoluta tem também responsabilidade de garantir que continua a geringonça.” A frase é de António Costa e comoveu meio país político. Não é caso para tanto, sugiro eu. A frase nem surpreende nem denota nenhuma inflexão de fundo. É, antes, a expressão de uma tática que se tornou evidente logo no dia das últimas legislativas: o PS saiu das eleições numa situação confortável (basta-lhe a abstenção da esquerda ou da direita para governar) e António Costa aposta deliberadamente, e desde então, numa hábil ambiguidade que vai iludindo, ora os parceiros à esquerda, ora o PSD à direita. A declaração de amor é mais do mesmo, portanto. Só acredita na fidelidade do PS quem tiver mesmo muita vontade.
Ora, se é verdade que este expediente é útil para ir mantendo um Governo minoritário à tona e para ir aprovando, casuisticamente, algumas medidas com os olhos fixados no curtíssimo prazo, ele é completamente incompatível com o tipo de pensamento estratégico que tem de estar subjacente ao plano de recuperação económica a discutir com Bruxelas nos próximos meses.
O momento é, pois, de clarificação. E esta é, antes de mais, uma responsabilidade do PS. Se é inteiramente legítimo que o Governo escolha encostar-se definitivamente seja à esquerda, seja à direita, não é menos verdade que seria impensável que não fizesse uma escolha clara. A coerência e a solidez de um plano que é a última oportunidade para tirar o País da cauda da Europa não podem ser sacrificadas no altar do taticismo instantâneo.
Mas se é o PS que tem de fazer a clarificação, é o PSD que tem de exigi-la. Não só porque tem obrigação de querer ter uma palavra a dizer sobre o futuro dos portugueses, mas porque está, paradoxalmente, em boas condições para fazê-lo. Ou alguém verdadeiramente acredita que, se o PSD recusar as ambiguidades e forçar uma clarificação à esquerda, um plano de recuperação económica desenhado a três mãos entre PS, BE e PCP alguma vez terá o beneplácito de Bruxelas? É que é preciso ser-se muito ingénuo para pensar que a União aceitará despejar fundos sobre um país que decida usá-los para ensaiar as maravilhas da coletivização dos meios de produção ou a definitiva estatização da economia.
Este é, portanto, e acima de tudo, o momento de aposta para o PSD. De nada vale a Rui Rio ter sido o corredor de fundo, o resistente implacável aos críticos internos, o homem que espera pelo momento certo para reclamar poder, se não tiver a sagacidade de perceber que chegou a hora de fazer prova definitiva de vida. Há comboios que não passam duas vezes. Este tem paragem no Orçamento do Estado e, antes disso, nas negociações para a apresentação do plano de recuperação económica que deveriam condicionar a posição do PSD.
Lá para o fim do ano perceberemos quem ficou na estação.
(Opinião publicada na VISÃO 1430 de 30 de julho)