– Uma bicicleta? Uma bicicleta para um cego? Ó mulher, isso é um absurdo!
– Mas é o que ele quer, Adolfo. Só quer a bicicleta…Vou dizer-lhe que não?
– Faz o que quiseres. Aliás, escuso de o dizer, não é? Fazes sempre o que queres!
Adolfinho tinha agora seis anos. Apesar de cego, fora educado como os outros cinco filhos. Subia a muros, a árvores, jogava às escondidas… Será que fizera bem? O resultado era agora pedir uma bicicleta como presente de Natal. Ouviu novamente a voz do marido:
– Onde é que já se viu um cego a pedir uma bicicleta?
Respondeu para si própria:
– Bom, se ele não conseguir, fica para um dos irmãos.
Chegou a noite de Natal e a distribuição de presentes. Adolfinho ficou radiante e quis dormir com a bicicleta ao lado da cama. De noite acordou periodicamente para a tocar com a mão, não acreditando ainda na sorte que tivera. No dia seguinte começou a treinar, com a ajuda dos irmãos. Em apenas dois dias, conseguia equilibrar-se e andar sem dificuldade.
-Mãe, já sei andar de bicicleta! Podemos ir para o jardim público?
Dona Pura ficou alarmada. E agora? Lembrou-se de uma campainha, usada em tempos para chamar a criada à mesa. Pegou na mais nova, que ainda amamentava, e partiu com Adolfinho e a bicicleta para o jardim.
Várias mães passeavam os filhos. Dona Pura sentou-se num banco e começou a amamentar a filha.
– Adolfinho, um toque, viras à direita; dois, viras à esquerda e três, paras rapidamente.
E assim foi. Uma criança cega, montada numa bicicleta, percorria a grande velocidade todo o parque, dando voltas e mais voltas, pontuadas por toques de campainha.
Uma mãe, que os conhecia, estava atónita e, a dado momento, não se contendo mais de indignação, dirigiu-se a Dona Pura.
– Como pode deixar o seu filho cego andar de bicicleta? Que irresponsabilidade!
– Cego? Qual cego? A senhora não vê que ele consegue andar de bicicleta? O meu filho vê!
Baixou a cabeça, dirigiu um olhar cúmplice à filha que amamentava e sorriu vitoriosa.