Hoje foi o dia de deixar a casa de Pemba e ir para a casa em Nampula. Trocámos uma pequena cidade à beira-mar e chegámos à terceira maior cidade Moçambicana, bem no interior da província mais populosa do país.
Nampula, como qualquer cidade, tem muitas pessoas à procura de oportunidades, algumas trabalham, algumas pedem dinheiro (“estou a pedir cinco” é uma frase comum há vários anos que teima em resistir à inflação) e algumas roubam o que aparecer, seja um telemóvel ou um pneu sobresselente de um carro.
A única paragem comunitária que fizemos foi na escolinha de Micolene, aldeia de Namialo, no distrito de Meconta, um projeto da Helpo que nasceu literalmente do chão. Com uma máquina de construção de tijolos, a Hydraform, têm sido edificadas várias escolas. Terra vermelha com uma pitada de cimento e criam-se tijolos machos e fêmeas com poder de encaixe.
Se mamã é o nome carinhoso que os moçambicanos dão às mulheres que sustentam toda a sociedade, escolinha é a palavra que designa a pré-primária que, como se adivinha, é a máquina fundadora de tudo, incluindo de futuros presidentes. As crianças que passam pela escolinha aprendem a base do português e, quando chegam à primária, já dominam o básico para apreender tudo o resto.
Falámos com várias crianças, de idades e percursos muito diferentes. Jerónimo, de 19 anos, tem sete irmãos, um padrasto e uma mãe zangada porque o filho insistiu em estudar. Este jovem fala da Helpo com uma emoção agradecida, tem sido ajudado em várias fases da sua vida e, enquanto estuda para seguir medicina, está a preparar-se para abrir uma barbearia que lhe permitirá manter-se independente. Jerox Barbearia será o nome do negócio e para tratar da marca, talvez tenha de falar com Sérgio, aluno da 10ª classe que faz música e adora desenhar. A t-shirt que traz vestida é da sua autoria, Gang Relachado é o seu projeto musical que, infelizmente, não tem músicas online. Sérgio gostaria de ser pintor, um futuro Malangatana. Estes dois rapazes começaram por ser apadrinhados pela Helpo, a partir da escola primária ali ao lado, e continuam a estudar na escola secundária.
Márcia Saíde, filha de Saíde, o animador e diretor da escolinha, tem 12 anos e quer ser médica, mas a julgar pelas suas capacidades vocais (cantou para nós uma música dedicada à Helpo) talvez devesse seguir a carreira de Dama Mamo, a cantora favorita de Márcia (ela tem músicas online).
Sandra Albuquerque Lopes, menina albina de 3 anos, ainda não lê mas gosta de folhear livros, além de brincar com carros e brincar com Legos. Sandra é muito diferente da maior parte das crianças que já conhecemos, não tanto por causa da pigmentação da sua pele, mas devido ao seu pai, funcionário público, ter um ordenado folgado.
Em Moçambique, na Tanzânia, nos Camarões e noutros países africanos os albinos têm sido perseguidos e assassinados para que os seus orgãos mutilados possam ser usados em rituais de feitiçaria e poções mágicas. Há quem acredite que a “poção do albino” traz riqueza e as partes dos corpos podem valer milhares de dólares no mercado negro.
Albuquerque Almirante Lopes garantiu-nos que ali onde vivem, essas crenças já não existem e, a julgar pelo estilo, descontração e felicidade da sua filha, ela terá um futuro muito risonho pela frente.