Nóque nóque às 5 da manhã, partida trinta minutos depois com trezentos quilómetros de caminho pela frente. Florêncio, assessor de coordenação da Helpo, fez a viagem connosco. Este moçambicano de 25 anos nascido em Pemba era um aluno sem pais e sem aproveitamento, mas com o apoio da sua madrinha e da Helpo, formou-se em Maputo e hoje dá formação de pedagogia a professores, além de ensinar inglês.
A viagem para lá e para cá foi praticamente non-stop, com paragens técnicas para comprar cocos a vendedores-ambulantes, regar imbondeiros e tirar fotografias ao corrupio constante à beira da estrada.
Por volta das 9 horas, com o calor já a apertar, chegámos à E.P.C. (Escola Primária Completa) de Chinda, distrito de Mocímboa da Praia. Quando as crianças da escola reconheceram a carrinha cercaram-nos e começaram a entoar “Helpo! Helpo! Helpo!” com um entusiasmo impressionante.
À nossa espera estava o diretor da escola, Eduardo Lucas Docta, oito mamãs macondes e as crianças que iriam ser entrevistadas para o projeto Futuros Presidentes.
Docta acumula a direção com aulas de inglês, de matemática, de ciências naturais e de educação física, mas é também o animador social da Helpo, ou seja, é o responsável por identificar as necessidades dos alunos, por canalizar os apoios e por ajudar a escrever as cartas aos padrinhos.
As mamãs moçambicanas são o pilar do lar, vão à machamba, vão à água, vão ao carvão e muitas vão sobreviver aos maridos e educar os filhos sozinhas. Dos homens espera-se apenas que tragam para casa mais dinheiro que problemas. As mamãs macondes estavam ali a pedido da Helpo para nos ajudar a contextualizar a cultura local com exemplos de carne e osso de uma tradição que está a esmorecer, mas quanto às mamãs iremos falar delas à parte.
Enquanto nos apresentava as crianças selecionadas, Docta falou-nos da importância da educação, referindo “uma visão ampla do mundo” e a capacidade de “tirar a mancha da cabeça das pessoas”. Primeiro falámos com Ausse que também responde pela alcunha de “Junho”. O pai desta criança de 12 anos passa meses na machamba e a sua madrasta não lhe dá muita atenção, mas apesar de tudo, Junho é bom aluno o ano inteiro e quer, genuinamente, ser Presidente da República. A pré-campanha começa aqui. Ana Samuel tem 13 anos e gostaria de vir a ensinar, tal como Frenque e José Jerónimo. Se tudo correr bem Mónica será uma dia enfermeira, em Mocímboa da Praia. E porque não em Pemba ou Maputo? Mónica nunca tinha pensado tão longe.
Ao descobrirmos os sonhos humildes destas crianças (com uma exceção) é inevitável não pensar no poema O Guardador de Rebanhos, do bucólico Alberto Caeiro. “Porque eu sou do tamanho do que vejo/ E não, do tamanho da minha altura”. A maioria destes miúdos nunca foram para além da aldeia-encruzilhada mais próxima, portanto, quando se imaginam grandes, sonham algo próximo e à sua escala.
Cada um destes 472 alunos passará aqui três horas por dia, durante sete anos, da primeira à sétima classe, mas findo esse tempo muitos não vão saber ler nem escrever.
A missão da Helpo e dos professores espalhados pelo país é mostrar a todos os futuros adultos que podem ver para além dos seus olhos e, um dia, ser do tamanho do universo.