Excelentíssimos Senhores Coronéis da comissão não sei das quantas: é com muito gosto que vos envio, em anexo, o plano de cobertura da VISÃO para as próximas eleições para a Assembleia da República. Mas não sei bem a quem me dirigir, visto que os principais responsáveis pelos partidos autores da proposta de lei negam a paternidade da ideia. Sem prejuízo do teste de ADN que permita identificar esses autores, registo as palavras da senhora ministra da Justiça, que disse desconhecer tal proposta, bem como as do senhor secretário-geral do PS, que discorda dela, ou as do antigo diretor do semanário O Independente que preza, acima de tudo, a liberdade de expressão.
Mesmo assim, farei os possíveis por seguir o presente plano à risca. Sucede que não posso garanti-lo a 100 por cento. Imagine-se que alguém como o engenheiro José Sócrates é preso, em plena campanha eleitoral? Ou, neste caso, libertado? Ou que algum bisbilhoteiro da Autoridade Tributária e Aduaneira resolve pôr cá para fora, precisamente na véspera da realização da última sondagem sobre as intenções de voto, o striptease fiscal do senhor-primeiro-ministro, nos tempos em que este foi colaborador da Tecnoforma? Ou que um submarino infiltrado no CDS revela o conteúdo de alguma fotocópia mais picante, das que foram diligentemente retiradas do Ministério da Defesa, nas vésperas de o dr. Paulo Portas abandonar a respetiva tutela? Tudo imponderáveis a ter em conta.
Estes ou outros factos que nos obriguem a ajustar a cobertura eleitoral não desculpam o eventual crime que venhamos a cometer, caso nos desviemos do plano submetido à Vossa sapiente e generosa aprovação. Por isso, aqui estaremos para arcar com as respetivas responsabilidades legais. Do mesmo modo, esperamos que as promessas eleitorais dos vossos partidos – ou propostas, como agora, mais distanciadamente lhes chamam -, e que servirão de base para um programa de Governo (ou, deixem-me chamar-lhe assim, para usar a Vossa própria terminologia, “plano de governação”), sejam integralmente cumpridas. É de esperar, portanto, que o eventual desvio dessas promessas – ou desse plano – tenha como consequência o pagamento das respetivas indemnizações aos Vossos eleitores. Os melhores cumprimentos.
Faz amanhã, dia 1 de maio, ?40 anos que o então líder do PS, Mário Soares, vencedor destacado das eleições ocorridas uma semana antes, e à frente de uma numerosíssima manifestação de trabalhadores de tendência não comunista, foi impedido de aceder à tribuna do Estádio 1.º de Maio, onde se proferiam os discursos oficiais das comemorações do Dia do Trabalhador. Quando o primeiro-ministro gritou “Vivam os trabalhadores portugueses”, todo o estádio correspondeu num entusiástico “Viva!”. Quando Vasco Gonçalves prosseguiu num “viva Portugal”, a multidão voltou a gritar um uníssono “viva!”. Mas quando terminou com as palavras “viva a Intersindical Nacional”, os “vivas” do sindicalistas da CGTP foram completamente abafados pelas vaias dos adeptos de Soares, muito mais numerosos. Só que à noite, no Telejornal da estatal RTP, o que se ouviu foi um estridente “Viva!”.
Pensando bem, e já que falávamos de ADN, a apetência pelo controlo da comunicação social está nos genes de todo o espetro político. Apetece reagir como há 40 anos: com vigilância revolucionária. Desta vez, não passou. Até quando?