Mentes no ginásio
Depois do tremor emocional do jogo com o Chile, com direito a choro e a um ensandecido desempate por penaltis, a seleção brasileira conversou com a psicóloga que acompanha Scolari há anos. A torcida, porém, parece tão apreensiva como se diante do final de um episódio sanguíneo de Game of Thrones – “E agora?” Nos últimos dias, Felipão, centrado na motivação dos seus rapazes, mandou colar frases de vários autores no vestiário do centro de estágio. Entre eles: Scott Fitzgerald, George Bernard Shaw e Edmund Burke. Não seria estranho, por isso, ver David Luiz apertando as chuteiras enquanto reflete sobre as palavras de Burke: “A dificuldade é um severo instrutor”. Psicologia e recuperação mental à parte, a torcida continua a exigir que o Brasil jogue como se espera que jogue o Brasil. Felipão vai insistir no modelo que escolheu até aqui. O Brasil tem dois empates e duas vitórias. A Colômbia, que eliminou o raçudo Uruguai, tem quatro vitórias no torneio e tem jogado melhor futebol do que o Brasil. Mas, claro, o Brasil joga em casa.
Hoje, o presidente colombiano apanhou um avião para assistir ao jogo e foi decretado feriado nacional no país. Na rádio, o locutor brasileiro dizia: “Não somos os únicos que fazem feriado em dia de jogo da seleção”. Mas, também, a esta altura da Copa, e com a paixão futebolística demonstrada por este continente, outra coisa seria uma crueldade.
Mau sangue
Certa noite, quando o Benfica perdia com o Porto no estádio da Luz, a equipa azul e branca fez uma substituição. O mal estar e a irritação do público nas bancadas foram magistralmente reproduzidos na voz e nas palavras do animador do estádio: “Substituição no Futebol Clube do Porto. Entra um, sai outro”. Sobre o jogo de hoje, entre a Alemanha e a França, carrascos de Portugal em diversas ocasiões nos últimos 30 anos de Europeus e Mundiais, é exatamente isso que me apetece dizer: “Entra um, sai outro.” Não digo que não quero ver o jogo, que não vou desfrutar do que se passará em campo, mas sou incapaz de torcer por qualquer uma das seleções. Chamem-lhe azia, mau feitio, preconceito. Não me interessa. Seja qual for o resultado, uma coisa é certa: uma das seleções será eliminada. Segue um, cai outro.
Caro Rui Tovar
Queria agradecer-lhe todos os jogos que narrou na minha infância. A sua voz, o seu jeito de falar, estarão para sempre associados a tardes de jogos europeus, no fim do ano letivo, com as férias ali tão perto. Há um tempo, quando o senhor reapareceu na televisão, ouvia a sua voz e era impossível não pensar nessa felicidade do futebol na infância, quando os craques nos pareciam deuses ou super-heróis e, com mochilas a fazer de balizas, ocupávamos a rua para imitarmos o Zico, o Van Basten, o Paulo Futre. Tenho a certeza que o ouvi a relatar algum jogo de uma Copa do Mundo, quando o verão se anunciava infindável e o cheiro da cola dos cromos era muito mais inebriante do que alguma vez seria, no futuro dos adultos, um copo de whisky. O senhor faz parte das minhas boas memórias. Muito obrigado.
Mamãe, tô no telão
Os ecrãs gigantes dos estádios do mundial têm o poder magnético de uma nave mãe. Imagino que, para a maioria dos adeptos nas bancadas, em algum momento a experiência do jogo seja sabotada pela pulsão de olhar para as telas gigantes onde, por uns segundos, os anónimos ganham notoriedade mundial, e são vistos no outro lado do planeta por amigos, familiares, antigos colegas de escola e chineses insones que passam a madrugada acordados por causa dos jogos.
Numa era em que documentar a importância do eu leva uma pessoa a fotografar pratos de comida e a interromper um passeio, um copo, uma conversa, a contemplação de uma paisagem, para se fotografar a si mesma e, em seguida, revelar ao mundo a significância e glamour dos seus atos mais mundanos, não é de admirar que, tanto no estádio como nas transmissões televisivas, o momento de filmar, de perto, os adeptos, seja agora uma parte indispensável do espetáculo.
Maracanazo é o cacete!
O escritor Ruy Castro explica na sua crónica que a expressão Maracanazo, que assolou esta Copa como uma fantasma obstinado, é menos perigosa do que as pessoas julgam. Para ler na Folha de São Paulo.