Robben, o mergulhador
Até pode ter sido grande penalidade – em câmara lenta vê-se o pé do defesa mexicano a pisar a chuteira de Robben -, mas, tal como muitos outros jogadores, o holandês tem esse hábito irritante e teatral de esticar-se todo no ar (Cristiano Ronaldo faz o mesmo) se por acaso lhe tocam – ou até mesmo quando não lhe tocam, como já tinha acontecido momentos antes, no jogo com o México, sem que ninguém o tivesse derrubado. Dessa vez, porém, o árbitro não foi convencido pelo gesto dramático – um movimento que faz lembrar alguém que leva um choque elétrico ou se lança de um terraço para o vazio, esticando mãos e pés para fora, acompanhado de um grito e de uma expressão de dor e indignação. São tiques e hábitos adquiridos ao longo de anos e até comuns a vários jogadores. Esse tipo de queda, tão forçada como cabotina, faz lembrar os atores que exageram nas suas interpretações, transformando as personagens em caricaturas.
Claro que Robben é um dos craques desta Copa, tem levado a Holanda para diante e as suas prestações foram essenciais na resolução dos jogos, como se provou ontem no penálti que arrancou já em tempo de descontos. E esse voo de gavião, melodramático e histriónico, não lhe fazia falta alguma. Mas, no caminho para se vencer uma Copa do Mundo, já se sabe: o pragmatismo que cria penáltis ao cair do pano é muito mais importante do que a estética no momento da queda.
Gekas, o desajeitado, e o temor dos penáltis
O olhar perdido de Gekas durante quase todo o jogo fazia prever que o avançado grego não estaria muito confiante na hora de partir para a bola, no desempate por grandes penalidades com a Costa Rica. Gekas falhara muitos golos e passes durante o tempo regulamentar e o prolongamento, mas, mais que tudo, a sua cara campestre e um tanto inocente, de pastor de cabras ou produtor de azeite nas ilhas gregas, revelava desacerto e um receio permanente, como se, em vez de estar a jogar uma Copa do Mundo pela Grécia, o tivessem atirado para o Coliseu de Roma com os leões.
Não tenho os atributos da personagem do ator Tim Roth numa série de TV em que se descobre tudo o que as pessoas pensam e sentem através das suas expressões e linguagem corporal. Mas não era preciso ser cientista ou mago para ver que Gekas ia falhar o penálti.
Um dia antes, Neymar confessou que, ao caminhar para a bola, durante o desempate por penáltis contra o Chile, sentiu que a marca da grande penalidade estava a quilómetros de distância. Thiago Silva, capitão do Brasil, que chorou sentado em cima de uma bola após o prolongamento, enquanto rezava, disse a Scolari que não estava confiante e ficou de fora. O mesmo fez Samaras quando Fernando Santos lhe perguntou se queria marcar pela Grécia. É que, por vezes, mesmo que pareça miáufa ou cobardia, é melhor ter a coragem de dizer que não do que a falta de discernimento de dizer que sim.
El piojo fica de fora
O treinador do México, Miguel Aguirre, um dos técnicos mais castiços e expressivos deste Mundial – bastava vê-lo junto da linha, gesticulando e gritando para dentro do campo – já foi considerado um latin lover com sangue demasiado quente dentro e fora das quatro linhas. Talvez a sua fotografia num cromo da coleção da Copa de 1994 nos faça desconfiar da primeira parte dessa informação, mas Miguel “Piojo” Aguirre, que era conhecido por se passear com mulheres lindíssimas pelo braço nos melhores clubes da cidade do México, acabaria por não participar no Mundial de 94, ainda que já tivesse direito a cromo. É que, à última da hora, o treinador mexicano decidiu que Aguirre deveria ficar em casa – ele era um perigo e seria difícil controlá-lo, atacara um adepto e eram conhecidas as suas entradas assassinas aos adversários. Ontem, também à última da hora, a Holanda mandou o piojo para casa.
O calor
Os jogos à uma da tarde, bem como o calor e a humidade do nordeste do Brasil têm drenado os jogadores e trouxeram a novidade das paragens para beber água – que a Fifa queria descartar, mas que foram decretadas obrigatórias por um juiz brasileiro. Nas bancadas do estádio de Fortaleza, ontem, como o sol de chapa e a temperatura de 32 graus – embora a sensação térmica fosse ainda mais alta -, havia grandes clareiras nas bancadas porque os espectadores fugiam paras as zonas com sombra. As altas temperaturas e o sol a pique molestam quem está nas bancadas e, claro, prejudicam a prestação da equipas, desaceleram o jogo, tiram-lhe vigor e beleza, sugam quem corre 11 quilómetros durante uma partida, como aconteceu com Kuyt, da Holanda, que jogou ambas as partes no lado do sol.
Se o exemplo do calor no Brasil não for suficiente para demover a Fifa de fazer um Mundial no Qatar – com temperaturas superiores a 40 graus em Junho e Julho, esperemos ao menos que a grandiosa ideia de fazer estádios com ar condicionado – mais uma coqueluche do desperdício e do luxo parolo e obsceno dos emirados – pareça tão estapafúrdia e desnecessária ao ponto de fazer a Fifa mudar de ideias. Uma coisa é certa: não vai ser por causa dos emigrantes que trabalham na construção civil, explorados, a quem tiram o passaporte, e que recebem misérias – os mesmos que trabalharão na construção dos sumptuosos estádios -, não será por eles, dizia, que Fifa perderá a oportunidade de fazer negócio com um parceiro tão endinheirado como o Qatar.