O dia das Américas
Hoje o Brasil defronta o Chile e, embora se mencione amiúde que sempre que as seleções jogaram na Copa – três vezes – ganharam os brasileiros, a verdade é que, por aqui, a apreensão, a crítica e descrença ainda marcam o discurso geral sobre este escrete. Diz-se que Fred e o seu novo bigode de motoqueiro andam absortos, que a equipa não tem meio campo e que depende demasiado de Neymar. Talvez os brasileiros mais céticos não deem importância a jogar em casa ou talvez esqueçam que o estilo de Felipão – equipa unida, uma missão, uma família, um grande desígnio, rituais e muita fé – costuma funcionar bem na fase de mata-mata (especialmente com o grupo que tem à disposição). Neste momento, parece-me que a seleção brasileira acredita mais no título do que a torcida. E a menos que o Brasil dê 7-0 ao Chile, com golos de calcanhar e bicicleta, assim continuará a ser até ao final.
No outro jogo do dia, entre a Colômbia e Uruguai, pouco importará a recente avalanche mediática sobre Luis Suárez porque, segundo a ancestral sabedoria futebolística da conferência de imprensa, “só faz falta quem cá está”. Os colombianos veem de três vitórias, mas os uruguaios eliminaram a Inglaterra e a Itália e, mesmo sem o vampirismo goleador de Suárez, têm mais ganas do que um touro picado no momento em que cavaleiro tomba da sela. Uma coisa é certa, na Copa das seleções americanas, hoje, duas vão ficar para trás.
Balaço da primeira fase
48 jogos em 15 dias, 136 golos e média de 2,8 golos por partida
37 golos na pequena área, 25 de pé e 12 de cabeça
76 golos na grande área, 57 de pé e 19 de cabeça
9 golos de penalti
14 golos de fora da área
Seleções
Mais golos marcados – Holanda (10)
Menos golos sofridos – Costa Rica, Bélgica, México (1)
Faltas sofridas – Grécia (21, média por jogo)
Faltas cometidas – Holanda (22, média por jogo)
Bolas perdidas – (41, média por jogo)
Passes certos – Argentina (91,8 por cento)
Jogadores
Mais golos marcados – Neymar (Brasil), Messi (Argentina) e Muller (Alemanha), todos com 4 golos.
Mais defesas – Dominguez (Colômbia), 6 defesas (média por jogo)
Mais desarmes – Van Buyten (Holanda), 23,7 desarmes (média por jogo)
Mais dribles – Messi (Argentina), 6,7 dribles (média por jogo)
Mais faltas cometidas – Ghoochannejhad (Irão), 5,3 faltas (média por jogo)
Mais faltas sofridas – Alexis Sánchez (Chile), 5,3 faltas (média por jogo)
Remates à baliza – Cristiano Ronaldo (Portugal), 7,3 remates (média por jogo)
Passes certos – Witsel (Bélgica), 98,1 por cento de passes certos
Passes errados – Álvaro Pereira (Uruguai) 39 por cento de passes errados
O odor do dinheiro
Uma fotografia mostra um jogador do Gana a cheirar um maço de notas, parte do quinhão de três milhões de dólares que foi enviado para o Brasil a fim de saldar as dividas da federação com os jogadores ganeses – que recusaram transferências bancárias e exigiram dinheiro vivo. Sem pagamento, disseram os atletas, não jogariam com Portugal. Essa fotografia, tirada na noite antes da partida – entre outras de jogadores contando o dinheiro -, bem como a comitiva que escoltou os três milhões do aeroporto até ao hotel, gerou uma onda de desaprovação no Brasil, e tanto na TV como na rua ouvi mais do que uma vez a frase: “Isso nunca tinha acontecido numa Copa”.
Eu entendo a desilusão, se não mesmo repulsa, de ver como o vil metal é mais poderoso do que o futebol, a magia de se jogar uma Copa do Mundo, o pundonor do homens, enfim, mais poderoso que quase tudo o resto. Mas, se pensarmos bem, o ganês cheirador de notas não se desvia muito dos preceitos da Fifa. Não se trata apenas de colocar o dinheiro adiante do futebol, mas de movê-lo segundo o protocolo do presidente da Fifa. É que os três milhões de dólares viajaram com a escolta policial digna de um chefe de Estado, a mesma que é facultada a Joseph Blatter no Brasil.
Longe de Manaus
A cidade tão falada, durante esta Copa, pelo calor e humidade que afogaram as vias respiratórias dos jogadores europeus, não receberá mais jogos. Depois de cumpridas as quatro partidas agendadas, o estádio que custou 220 milhões de euros não terá qualquer uso. A arena foi mais cara por causa dos custos de transporte – o material de construção teve de chegar por via fluvial.
Mesmo que se joguem ali todos os encontros do campeonato amazonense, não servirá de muito. O total de público desse torneio, na última temporada, foi de 45 mil pessoas – eu escrevi total, não record. Ou seja, se colocássemos todos os espectadores do campeonato amazonense, de um ano inteiro, no novo estádio, encheríamos as bancas apenas uma vez – a arena tem 44,480 lugares.
Quando o Brasil ficou a saber que receberia a Copa, em 2007, o então presidente Lula, grandioso e magnânimo, disse que queria o torneio em todo o país e que a Copa seria do povo brasileiro. O povo, já se sabe, não tem dinheiro para ver jogos da Copa nos estádios e, embora já habituado ao descaramento e ao absurdo, sabe que este evento teve um efeito multiplicador em tudo o que já estava de errado.
Na tentativa de dar utilidade ao estádio, um desembargador sugeriu que o usassem para triagem de prisioneiros, prolongando no tempo o sonho de Lula: depois dos quatro jogos, o estádio continuará a levar a Copa a todo o povo brasileiro, até mesmo quem apanhou dez anos por assalto à mão armada.
Os alemães são do Flamengo
Para homenagear o país da Copa, a seleção alemã escolheu um segundo equipamento igual ao do Flamengo, clube brasileiro com mais adeptos – cerca de 40 milhões. E foi com ele que jogou contra os Estados Unidos. Os portugueses podiam ter feito o mesmo com o Vasco da Gama, um dos maiores do Brasil, fundado por lusitanos. Afinal, é o clube dos portugueses. Se o argumento emocional não fosse suficiente, pense-se então (mais uma vez) no dinheiro. O Vasco mandou fazer 10 mil camisas comemorativas da presença da seleção portuguesa na Copa. Custavam 40 euros e esgotaram antes de o torneio começar.