Figo, o craque
Porque não tenho sinal de televisão em casa, embora tenha o aparelho, resolvi comprar uma antena interior porque temia que as transmissões do jogo pela internet (tão lenta e instável no Rio) pudessem sabotar a minha experiência do Mundial. Perdera os últimos minutos da final da Liga Europa e não iria permitir que uma wireless coxa e temperamental me fizesse outra desfeita. No mercado da Uruguaiana, onde tinha acabado de comprar e de vestir uma camisola da seleção portuguesa, deparei-me com um vendedor que fazia a demonstração de uma antena. Ele falava para um microfone, sintonizava canais, e era auxiliado por um homem que, mal olhou para mim e para a minha camisola, estendeu a mão e disse: “Figo, que craque”. Em seguida falou para o vendedor. “Você lembra do Figo?” Virou-se de novo para mim, referindo-se ao vendedor: “Esse cara não sabe nada de futebol”. Ficámos os dois a falar de Figo, eu lembrando aquele balázio na reviravolta contra a Inglaterra ou uma finta que vi, no Estádio da Luz, contra a Irlanda, tão perto de onde eu estava sentado que ainda hoje julgo ter ouvido um estalo nos rins do irlandês.
Fiquei feliz que me falassem de Figo (não é a primeira vez). Para uma geração – a dele e a minha – Figo será sempre protagonista de boas memórias, e representa um novo jogador português – craque, profissional, internacional, que soube crescer, evoluir e triunfar. O rapaz que começou a jogar nos Pastilhas, na Cova da Piedade, e cujo corte de cabelo no Mundial de Juniores de 91 fazia lembrar uma esfregona, tornou-se num dos melhores jogadores do mundo do seu tempo (ganhou um Bola de Ouro). Figo continua a ser um dos meus jogadores preferidos de sempre. Talvez seja por isso que, sempre que me falam dele aqui no Brasil, sinto uma espécie de orgulho de família pelo meu primo afastado e admirado no estrangeiro – mas também uma certa saudade pelas jogadas que o vi fazer, a dor do tempo que já passou.
Figo está no Brasil, e o Globo acompanhou o português num evento com crianças. Numa peladinha, um dos moleques fez-lhe uma bela cueca – que aqui se diz “levar uma caneta”. VEJA AQUI O VÍDEO
Bonitas laranjas mecânicas
Nem só os futebolistas da Holanda estão de parabéns pela vitória sobre a Espanha. As atletas da seleção de hóquei em campo, a jogar em casa, acabam de conquistar o título mundial frente à Austrália.
There is only one Ronaldo
Imagino que no resto do mundo, tal como no Brasil, Ronaldo (o nosso) seja um divisor de opiniões. Se tenho um grande amigo flamenguista, tão fã do jogador que a mulher dele me disse, “O meu marido não tem admiração pelo Cristiano, tem tesão”, também tenho uma amiga que me disse “Não queria ter um cara desses na minha seleção”. Tentei explicar-lhe que as sobrancelhas arranjadas de Ronaldo, tão amplamente debatidas na imprensa local, ou sequer as suas tiradas arrogantes ou o constante sentido de palco, pouco importavam perante o seu génio, a sua capacidade de trabalho e de sacrifício, porque numa Copa do Mundo tudo se relativiza. Há um propósito maior. Como não conseguia convencê-la, pedi ajuda a um amigo comum, argentino, no Rio para ver o jogo da sua seleção no Maracanã. Sugeri-lhe que explicasse a razão pela qual, durante uma Copa do Mundo, um penteado importa menos do que um golo. Logo me arrependi, lembrando-me de Daniel Passarella, treinador da seleção argentina, que proibiu os jogadores de usar cabelo comprido e fitinhas para segurá-lo – por causa dessa decisão, Redondo e Caniggia não foram ao mundial de França.
E se por acaso o meu amigo fosse um desses argentinos que implicam com a melena dos futebolistas e com aquilo que costumam dizer para os microfones? Felizmente, Mariano estava do meu lado. Afinal, ele faz parte dos que veneram o futebol de Maradona, o craque que um dia recusou um Mercedes de presente porque tinha caixa automática e ele preferia guiar com caixa manual.
Penteados
Longe vão os tempos em que um bom bigode e uma boa cabeleira, fartos e descuidados, eram a marca mais reconhecível dos jogadores. Hoje, Hugo Almeida cofia o bigodinho hipster após um golo e a indústria do gel e da cera para cabelo, com tanto tempo de antena durante a Copa, ainda mais endossada por futebolistas globais, seguramente vai disparar as vendas. Um jornal chileno fez uma compilação dos penteados mais peculiares das Copas anteriores. Para ver em La Tercera.
A Copa dos outros
O bom astral trazido pela Copa do Mundo não fez esquecer, por completo, os problemas do Brasil. Na sua coluna, Antonio Prata descreve a viagem de metro para o jogo de estreia da seleção brasileira – o texto é também uma viagem pelo Brasil: o que mudou e o que ainda precisa de mudar. Para ler na Folha de São Paulo.
Música deixa a vida te levar
O pagode é o género musical deste Campeonato do Mundo, especialmente entre a seleção brasileira, que teve dois pagodeiros famosos – Péricles e Thiaguinho – a cantar o hino nos jogos amigáveis antes da Copa. Neymar protagoniza o mais recente videoclip do pagodeiro Thiaguinho “Força, raça e fé”. Daniel Alves disse que os jogadores se motivam ouvindo “Tá escrito”, do grupo Revelação – “Erga essa cabeça, mete o pé e vai na fé/ Manda a tristeza embora/ Basta acreditar que um novo dia vai raiar/ Sua hora vai chegar”.
Bem, se tem mesmo que ser pagode, então que seja o hino oficioso da Copa de 2002, a hedonista canção do penta “Deixa a vida me levar”, do dandi do chope e bon vivant do pagode Zeca Pagodinho.