Celebrou-se há poucos dias o 20.° aniversário do falecimento de Agostinho da Silva (AS), sem que a comunicação social, em especial as televisões, quase dessem por isso. E, no entanto, AS foi um grande professor universitário, pensador português emérito, que depois de uma curta prisão pela ditadura salazarista resolveu emigrar para o Brasil, onde viveu longos anos, também como professor universitário, enormemente qualificado e muito respeitado como publicista. Só regressou à sua terra, Portugal, depois de Salazar ter deixado de ser presidente do Conselho de Ministros, substituído por Marcelo Caetano.
Licenciado em Filologia Clássica, com 20 valores, pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto, AS (1906-1994) era doutorado pela mesma faculdade, depois extinta e lecionou em Paris, na Sorbonne e no Colégio de França, em Madrid, etc. Tendo, desde então, publicado inúmeras obras e Cadernos de Informação Cultural, que tenho na minha biblioteca.
Conheci AS com os meus 16 anos, quando o meu pai, que muito o admirava, resolveu encarregá-lo de conversar comigo, três vezes por semana, e me despertar para as questões da cultura, da arte e da vida, duma maneira geral. AS vivia então numa modesta casa alugada, perto do Instituto de Oncologia. Eu ia ter com ele, a uma certa hora, batia à porta, ele descia e então começávamos a passear e a conversar, a propósito de tudo e de nada. De forma, para mim, apaixonante. Aconselhava-me a ver filmes, que me indicava, criando desde logo o interesse e obrigando-me a contar depois o que tinha visto.
O autor de Sete cartas a um jovem filósofo era um seareiro convicto e falava-me muito da revista Seara Nova, de que desde então me fiz assinante. Como me fiz dos seus famosos Cadernos, de que também me falava.
COMO EU, NESSE TEMPO, já me interessava muito por política, AS pôs-me o pseudónimo de “Danton”, que nunca abandonou. Naquele tempo as ruas e calçadas tinham muito pouco movimento e fazíamos caminhadas para lá de Benfica, a conversar amenamente, regressando depois por terras de cultivo, praticamente sem casas. O pensador era grande amigo e admirador de António Sérgio e de Álvaro Salema, que também foi meu professor, a quem fiquei a dever muito, bem como a Jaime Cortesão, então exilado no Brasil, e com cuja filha, Judite, AS viria a casar. Um dia se tiver tempo e capacidade escreverei sobre essas figuras que tanto me influenciaram.
Agostinho da Silva ficaria em Portugal até ao seu falecimento. Depois do 25 de Abril, já eu tinha funções políticas e várias vezes nos encontrámos. Por força das circunstâncias falámos de política, continuando ele a tratar-me por Danton, o que no tempo que então vivíamos não era tão oportuno como julgava.
NOS ÚLTIMOS ANOS DE VIDA as suas ideias tiveram, em Portugal, um acolhimento muito grande, quer por parte dos seus velhos amigos (dos que ainda existiam) quer por parte da comunicação social, pela qual era muito bem-visto. Lembro-me de uma conferência que organizei na altura e em que ele interveio, falando no seu estilo nunca mais acabava… As pessoas já estavam todas a murmurar. Pedi ao meu ajudante de campo para discretamente lhe dizer que era tempo de terminar. Ele procurou fazê-lo, mas a verdade é que o discurso continuou. Sem dúvida com muito interesse e graça, mas ultrapassando todo o tempo previsto para a conferência.
Visitei-o muitas vezes quando começou a estar doente. Até ao fim da vida foi, aliás, sempre muito acompanhado por algumas amigas fiéis e rodeado pelos seus inúmeros gatos. Tendo sido uma das figuras mais interessantes do século XX, não pode nem deve ser esquecido pelas novas gerações como, infelizmente, está a acontecer.
Os seus Cadernos e os seus muitos livros bem como o In Memoriam de Agostinho da Silva, em que honro de ter colaborado deveriam ser reeditados e lidos pelos jovens de hoje. Seria muito útil para todos.