No segundo dia de viagem fui de Beja até Almería, atravessando a zona desértica montanhosa do sul de Espanha onde alguns realizadores de cinema reproduziam o deserto Texano em filmes de “cowboys”. Essa noite, ao ver as notícias numa televisão ligada na tasca onde jantava e onde só à terceira vez consegui que me trouxessem um copo de vinho tinto que não estivesse passado, constatei que andava menos de 24 horas atrás de uma tempestade que assolava o sul de Espanha. No dia seguinte estava um sol lindo quando subi a moto no elevador de garagem do Hotel manhoso em que ficara. Arranquei em direção a Barcelona mas em Murcia a estrada tinha abatido com a enxurrada e o desvio levava-nos através do interior de Lorca, uma pequena vila devastada pelas águas, com carros enterrados na lama depois de terem sido arrastados pela corrente, plantações destruídas e ervas abraçadas às árvores.
Cheguei a Barcelona ao final do dia, numa etapa de mais de 800 Km.
Por aí fiquei uma semana em trabalho e, depois de uma curta visita a Portugal para levar o meu camião, regressei a Barcelona de avião e troquei as dez rodas do camião pelas duas da Honda “Cross Tourer”.
Agora partia em direção à fronteira francesa junto à costa mediterrânica. Parei pelas seis da tarde numa pequena vila chamada Coursan e em que me indicaram o pequeno Hotel de um inglês como o mais apropriado para um motard.
Na pequena garagem do Hotel não cabiam mais motos e a minha e a do proprietário, uma BMW em que ele já percorrera nada menos de 450.000 Km sem sair da Europa, tiveram que dormir ao relento, num pátio onde os “habitués” faziam o seu churrasco para o jantar.
No dia seguinte parti em direção a St. Tropez no que parecia vir a ser mais um dia com bom tempo. Numa pequena estrada de montanha uma bicicleta carregada com mochilas dos dois lados das duas rodas encostada a uma árvore e um homem deitado no chão junto fez-me parar para saber se estava tudo bem. O rapaz, com os seus 40 anos e ar ensonado, contou-me que tinha vindo de Paris e pretendia seguir até Nice mas depois de almoçar chegou à conclusão que já não conseguia pedalar e deitou-se à sombra de uma árvore para tentar dormir.
Andei mais uns vinte ou trinta quilómetros, o céu tornou-se preto e uma enorme carga de água abateu-se sobre a região. Pensei no desgraçado enquanto eu, debaixo da proteção de um fantástico fato Spidi, circulava de corpo seco. Estava a 50 Km de St. Tropez.
A chuva tinha parado quando cheguei à vila costeira e parei a visitar, junto ao porto, uma concentração de Porsches que reunia cerca de 200 carros de todos os modelos. Chamavam-lhe “Porsche Paradis”. Carros bem reconstruídos eram conduzidos por rapazes da minha geração ou mais velhos, acompanhados de mulheres da mesma idade mas mais bem reconstruídas que os carros: capotas loiras, carroçarias polidas e brilhantes, para choques no sítio, suspensão traseira levantada, enfim, tudo como um dono de um Porsche gosta.
Dali segui até à praça frente ao cais da marina onde bebi um copo no simpático bar do 1º andar do Hotel Sube. Estava tranquilo a ler o Figaro quando a tempestade voltou com força redobrada. Em cinco minutos as ruas tornaram-se rios com 10 ou 20 cm de altura e os Porsche, entretanto estacionados nas artérias da vila, disparavam os alarmes numa sinfonia desafinada.
À noite fui jantar ao animado Le Sporting e no dia seguinte, com um sol radioso, parti junto à costa por estradas estreitas, impossíveis de percorrer nos movimentados meses de verão.