Portugal é um negócio ou uma democracia? Para o Governo e seus satélites, Portugal é um negócio. Pese embora o escândalo TSU, o confisco de mais um salário aos trabalhadores e a sua transferência para os patrões, o que de mais grave e irreversível está a acontecer diz respeito às privatizações e aos negócios internacionais que elas propiciam. O intermediário desses negócios chama-se António Borges, um agente opaco, como todos os agentes-sombra. Não é um intermediário neutro e muito menos um zelador dos interesses nacionais. É um agente da Goldman Sachs com passaporte português. O seu negócio principal é a venda de ativos nacionais a preço de saldo, mas também está interessado em entregar à Monsanto a produção agrícola transgénica e a outras multinacionais os recursos naturais do País. Se tiver poder e oportunidade, este homem causará imenso dano a Portugal.
Este é o primeiro perigo que os portugueses enfrentam. O segundo perigo é tentar neutralizar o primeiro através da demissão do atual Governo e da nomeação de um governo de salvação nacional liderado por um tecnocrata, tipo Papademus ou Monti. Os portugueses estão na rua depois do estado de choque em que mais uma dose das medidas de austeridade os mergulhou. Veem que essas medidas dão resultados opostos aos que proclamam e não oferecem outra alternativa senão mais medidas ainda mais gravosas.
O Governo, com a sua indescritível insensibilidade social, dividiu o seu bloco de apoio e perdeu legitimidade perante os portugueses. O País pode em breve tornar-se ingovernável. Os portugueses estão numa situação de emergência que os pode colocar para além da divisão entre esquerda e direita, o que é preocupante. A tentação pode ser a de garantir a estabilidade a todo o custo, recorrendo a um governo de salvação nacional. Não funcionará, porque o novo Governo dará continuidade ao memorando e os problemas de fundo voltarão com a mesma intensidade.
A solução para estes perigos tem de decorrer de dois exercícios normais mas exigentes das instituições democráticas. O Presidente da República estará no centro de ambos. O de mais curto prazo tem a ver com o próximo orçamento que, se contiver as medidas anunciadas é certamente inconstitucional. Compete ao Tribunal Constitucional (TC) fazer tal verificação perante uma solicitação de fiscalização preventiva. Se o TC decidir pela inconstitucionalidade, Borges, Gaspar e seus acólitos terão de prestar contas aos seus patrões internacionais, mas os portugueses concluirão que é bom ter tribunais independentes e que isso só é possível em democracia.
O segundo exercício são as eleições antecipadas. Mais tarde ou mais cedo, os portugueses deverão ser chamados a pronunciar-se sobre a atual situação do País e as propostas de governação submetidas ao sufrágio. As instituições europeias veem com preocupação o aumento da agitação social na Zona Euro e recomendam a renovação dos consensos. A própria troika reclama que o seu receituário deve contar com o apoio social. Existe consenso quanto à continuação da austeridade inscrita no memorando? Não há outro modo de o aferir senão através de eleições.
Esta solução é exigente porque as eleições só fazem sentido se os partidos estiverem preparados para elas e tiverem soluções credíveis para o descalabro a que este Governo conduziu o País. Duas condições são indispensáveis: a) um entendimento de convergência com incidência pré ou pós-eleitoral entre o PS, o BE e o PCP – ou, se tal não for possível, entre o PS e um dos dois últimos; b) bases programáticas de convergência que mostrem as possibilidades concretas de resgatar a dignidade do País. A segunda condição é a que avança mais neste momento, plasmando-se na ampla convergência de forças democráticas que sustenta o próximo Congresso Democrático das Alternativas e nas bases programáticas que dele podem surgir. Os partidos terão nelas uma boa base de trabalho.
Ambos os exercícios pressupõem a desobediência democrática ao memorando da troika. A democracia portuguesa não sobreviverá ao cumprimento pleno dele.