Já se sabe que a Economia não é uma ciência exacta e, por isso, temos que olhar o histórico dos acontecimentos para aferir da bondade desta ou daquela medida. Ora, a História recente dá cada vez mais razão aos economistas que sempre consideraram extemporânea a nossa entrada no euro. Por muito que outros tentem contrariar a evidência, a verdade é que a moeda única não nos trouxe as vantagens prometidas – nem crescimento, nem competitividade, nem emprego. Mas trouxe-nos ilusões que, a prazo, se revelaram perversas. Inebriados pelo canto das sereias políticas, a maioria dos portugueses encarou a adesão ao euro como uma espécie de varinha mágica que os colocava, sem mais, no mundo exclusivo dos que tudo têm e tudo podem. Esta sensação foi reforçada pelo baixo preço do dinheiro que abriu a muitas famílias perspectivas de consumo até então impensáveis. É incoerente e injusto que muitos dos que incentivaram e beneficiaram desta insensata fúria consumista se arroguem, agora, em arautos da punição e do vexame da “canalha” a quem assediaram com crédito fácil e (aparentemente) inesgotável, para comprar a casa, o carro e a viagem para o tal “destino de sonho”.
Não foram só os portugueses a renderem-se aos vendedores de ilusões. Um pouco por toda a Europa mais pobre e menos desenvolvida é idêntico o cenário de pesadelo com que muitos cidadãos se confrontam. Às dívidas próprias acrescenta-se agora a factura resultante de políticas erradas conduzidas por governos incompetentes e sem visão. E, como se isto não bastasse, o futuro só contempla palavras terríveis como sacrifício, austeridade e sanções, com a agravante de ninguém ter qualquer certeza de que tal caminho nos conduza ao crescimento e ao bem-estar. Ou seja, ninguém garante que as dificuldades do presente se transformem em benefícios no futuro. Talvez por isso é cada vez maior o número de vozes, mesmo entre os economistas, que criticam severamente a cegueira com que se aplicam as mesmas regras a países com graus de desenvolvimento económico tão díspares entre si quanto Portugal, Alemanha, Grécia ou Finlândia.
Mas, neste processo, nem tudo são problemas económicos. A prazo, pode haver consequências políticas devastadoras, numa região do mundo onde a democracia é tão banal e adquirida como o ar que se respira. A transferência de soberania dos governos nacionais para um estado-maior europeu capitaneado pela Alemanha, que põe e dispõe sobre as medidas punitivas a aplicar aos países em dificuldades, é susceptível de retirar importância aos mecanismos de legitimidade democrática. Ou seja, já toda a gente percebeu que é cada vez maior o fosso entre políticos e cidadãos, facto patente no aumento exponencial da abstenção. Se a essa desconfiança se juntar a percepção dos eleitores de que decisões essenciais sobre a sua vida não são tomadas pelos seus representantes, ao abrigo das leis constitucionais do seu país, é natural que eles se interroguem sobre o sentido do seu voto.
Ora, nada é mais perigoso para a democracia do que estes momentos de desesperança dos povos. E a Europa sabe-o bem.