A decisão do Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de Futebol, que veio reduzir os castigos dos futebolistas Hulk e Sapunaru, é um perfeito absurdo. Mais um a contar para o rol de disparates da “justiça” do futebol português.
Aquilo que o órgão de disciplina da FPF fez foi, mesmo dando como provados todos os factos apurados pela Comissão Disciplinar da Liga, enquadrar os actos numa moldura penal diferente, mais branda, com o argumento de que os assistentes de recinto desportivo (vulgo stewards) agredidos não são agentes desportivos, antes sim elementos com um estatuto similar ao do público.
Esta decisão é ainda mais perigosa porque começa a ser um hábito neste Conselho de Justiça. É que, ainda há uns meses, um dirigente do FC Porto viu este organismo reduzir-lhe, com o mesmo argumento, um castigo aplicado pela Liga por ter insultado um jornalista, que estava no túnel do estádio, porque era lá que tinha de desempenhar as suas funções profissionais: realizar as entrevistas rápidas do final da partida. Ou seja, um profissional que tem de estar naquele local para desempenhar uma função imposta pela organização da competição – a Liga multa os técnicos e jogadores que se recusem a comparecer nos flash interviews – é considerado pelo Conselho de Justiça da FPF como… um elemento do público.
Se não fosse triste e perigosa, esta decisão só podia ser para rir. Isto porque nem sequer é preciso ser um grande adepto de futebol ou assíduo frequentador de estádios para perceber que os stewards são, nos dias que correm, tão ou mais agentes desportivos do que os membros das forças de ordem, os bombeiros, os delegados da Liga, dos clubes ou da FPF, jornalistas, dirigentes, técnicos, massagistas ou médicos. Tal como todos estes últimos, também não estão lá para jogar à bola, mas são parte integrante do fenómeno futebolístico. Por definição, não estão presentes para participar no jogo, mas para desempenhar uma função específica, profissional, essencial, na sua devida medida, ao normal desenrolar de uma partida de futebol, em particular, e ao fenómeno futebolístico, em geral.
Num país que já organizou um Campeonato da Europa de Futebol como o Euro 2004, que está habituado a assistir às participações dos clubes portugueses nas competições europeias, deve ser claro para todos que é às empresas de segurança privada que cabe, cada vez mais, a tarefa de assegurar a manutenção da segurança dentro dos estádios de futebol, em coordenação com as forças policiais. Não apenas no que diz respeito ao controlo de entrada, acompanhamento e acondicionamento do público nas bancadas, mas também no controlo das áreas de acesso restrito. Basta ver uma qualquer transmissão de um jogo da Liga dos Campeões para constatar que nos túneis de acesso aos balneários de todos os estádios – até no do Dragão – lá estão os stewards a desempenhar funções de segurança.
Pode haver quem não concorde com esta crescente influência de empresas privadas de segurança e é perfeitamente legítimo defender-se que, no futebol português, essa tarefa devesse ser entregue apenas às forças policiais. O que não se pode é viver com uma realidade durante anos, pactuar com ela e, depois, conforme as circunstâncias, pretender dizer que ela não existe.
E, finalmente, se era de bom senso que o Conselho de Justiça queria falar com este acórdão, mais valia que tivesse mantido os castigos aplicados pelo CD da Liga deixando, dessa forma, a todos os participantes no fenómeno futebolístico uma mensagem clara de condenação aos actos de violência. Seja contra quem for.