Na primeira pessoa: “Fui mãe aos 16 anos. Ao engravidar, acordei para a vida, mas às vezes sinto que ainda sou adolescente”

Foto: Luís Barra

Na primeira pessoa: “Fui mãe aos 16 anos. Ao engravidar, acordei para a vida, mas às vezes sinto que ainda sou adolescente”

Tenho 27 anos, mas às vezes sinto que ainda sou adolescente. Noutras, penso: “Tenho quase 30.” É uma confusão, uma vez que fui mãe muito nova, aos 16 anos, há certas partes da adolescência saudável que não vivi.

Foi uma amiga que, fora da escola, me apresentou o pai do meu filho. Tinha 13 anos e ele mais três do que eu. Gostei muito da sua postura, era um rapaz reservado, autoritário (eu estava habituada a isso), também tinha uma história familiar muito pesada, em que teve de crescer sozinho.

Ele teve exemplos de alguma violência sobre a mulher e eu também tive de me defender, muitas vezes, na minha própria casa. Era uma relação tóxica, mas, ao mesmo tempo, uma salvação, porque estávamos os dois sozinhos a lidar com o mundo.

Venho de uma família com estudos e facilidade económica. Sou mais crítica do que outras jovens, tive mais oportunidades, como ler livros, por exemplo. Os meus pais são os dois professores efetivos e tenho dois irmãos mais velhos. Sempre desconfiámos de que o nosso pai podia sofrer de algum tipo de doença mental. Em casa, havia muitas discussões que pareciam uma paranoia. A minha mãe, com receio de se divorciar, não pedia ajuda, nem à sua família. Pedir ajuda era para ela uma fraqueza e não um ato de coragem. Só após uma situação de violência doméstica, em que a polícia foi chamada, acabariam por se divorciar.

Eu e os meus irmãos também ficámos doentes. Por volta dos 12, 13 anos, tive uma depressão, tratada com medicação. Entretanto, não escolhi os melhores caminhos. O que era fora do normal para mim era o normal.

Ao engravidar, acordei para a vida. Descobri com facilidade que estava grávida, pois o meu corpo estava diferente, o peito inchou logo. Chorei imenso, pensei no meu pai e em como iria reagir. Antes de ser professor, ele tinha sido seminarista durante 18 anos, e era por isso que em casa certos assuntos eram um tabu – como beijar, dar as mãos e a própria sexualidade. “Cuidado com os rapazes”, dizia-me. Eu pensava que engravidava só por dar um beijo. Sabia que o preservativo ia ajudar, mas do resto tinha medo. Cheguei a tomar pílulas do dia seguinte com frequência. Achava que se marcasse uma consulta de Planeamento Familiar o meu pai ia saber. A falta de educação sexual era enorme.

“No parto também sofri negligência médica”

Quando contei à minha mãe [professora de Ciências] que estava grávida, ela disse-me que já estava à espera. Tinha-lhe pedido ajuda para começar a tomar a pílula anticoncecional, mas ela só me disse para não fazer sexo. “Não vai ser uma futura avó a dizer para tu abortares.” Até hoje, essa frase toca-me muito, pela positiva. Se abortar já me fazia confusão – e esse foi o conselho do meu pai –, ter o bebé e entregá-lo para adoção seria ainda mais agressivo.

O pai do meu filho ficou muito feliz, acompanhou-me durante a gravidez e o parto. Fui para a frente com a gravidez, consciente de que era menor de idade, sem os estudos terminados e a viver uma relação tóxica. Continuei a estudar [curso de restauração] e contei à professora. Só pensava em acabar os estudos obrigatórios e sair de casa. Os problemas em casa eram os mesmos e, com um bebé a caminho, era ainda mais preocupante.

No parto também sofri discriminação e negligência médica, ao terem deixado restos de placenta no útero. Tinha muitas dores e só me diziam: “É natural, és muito nova.” Tive alta, fui para casa com febre, não conseguia andar, parecia que tinha uma faca espetada dentro de mim.

Eu chegava a pensar que engravidava só por dar um beijo. Sabia que o preservativo ia ajudar, mas do resto tinha medo. Cheguei a tomar pílulas do dia seguinte com frequência. Achava que se marcasse uma consulta de Planeamento Familiar, o meu pai ia saber. A falta de educação sexual era enorme

Pedia ajuda às assistentes sociais das Comissões de Proteção de Crianças e Jovens, que já tinham a minha família referenciada. Só quando houve a situação de violência doméstica, já depois de o meu filho ter nascido, e a polícia foi lá a casa, é que apareceu a assistente social.

Não tinha muitas esperanças para nada. Nessa altura, já estava separada do pai do meu filho, porque ele era violento e não queria que o meu filho um dia assistisse a qualquer situação. Pensava: “Não vou ser igual à minha mãe.”

A assistente social trouxe-me para a Casa de Santo António. Tinha ideia de que uma instituição era um sítio com câmaras de vigilância, seguranças e psicólogos disponíveis 24 horas. Ainda fiz uma entrevista com a diretora, Mafalda Simões Coelho, a única pessoa que acreditou em mim, no meu pedido de ajuda.

Ter tido um filho tão nova é um entrave para fazer planos, não vou romantizar isso. Amo ser mãe, porque foi o que me salvou, me fez procurar ter uma vida saudável e me fez deixar de pensar em suicídio.

Fiquei na Casa de Santo António dos 16 aos 20 anos, onde tentei fazer o meu próprio mundo e estar focada só em mim e na criança. Não tinha esperança individual. Tornei-me uma pessoa diferente. Havia uma queixa de violência doméstica e havia outro caso em tribunal por causa da guarda da criança. O pai do meu filho, com a sua família, quis tirar-me o menino. Foram várias as lutas.

Andei a estabilizar a minha situação com a minha família. Até o meu tio da América me telefonava! Esses quatro anos deram também para estudar Design de Moda e realizar um sonho. Estagiei no atelier do estilista Dino Alves, na ModaLisboa e no Teatro Dona Maria II. Em todas essas experiências, os meus olhos brilhavam.

Sou administrativa num call center, há cerca de seis anos, estou efetiva na empresa, a receber o salário mínimo e com horário adequado para cuidar do meu filho [diagnosticado com défice de atenção e hiperatividade].

Durante a pandemia, ainda fiz o curso online de auxiliar veterinária, já consegui tirar a carta de condução e comprar um carro.

Assim que saí da instituição e tive a minha casa, percebi que é possível viver bons momentos. Só tinha medo dos meus próprios pensamentos. Tive de me concentrar em mim e em ter saúde mental, manter-me estável para mim e para o meu filho. Agora já sinto muito prazer em coisas supersimples que antes me aborreciam, como ver um filme em silêncio ou entreter-me com o meu coelho de estimação. Hoje em dia, já não sinto necessidade de me colocar em situações perigosas. Pelo contrário, busco uma paz constante.

Depoimento recolhido por Sónia Calheiros

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