Tenho 27 anos, mas às vezes sinto que ainda sou adolescente. Noutras, penso: “Tenho quase 30.” É uma confusão, uma vez que fui mãe muito nova, aos 16 anos, há certas partes da adolescência saudável que não vivi.
Foi uma amiga que, fora da escola, me apresentou o pai do meu filho. Tinha 13 anos e ele mais três do que eu. Gostei muito da sua postura, era um rapaz reservado, autoritário (eu estava habituada a isso), também tinha uma história familiar muito pesada, em que teve de crescer sozinho.
Ele teve exemplos de alguma violência sobre a mulher e eu também tive de me defender, muitas vezes, na minha própria casa. Era uma relação tóxica, mas, ao mesmo tempo, uma salvação, porque estávamos os dois sozinhos a lidar com o mundo.
Venho de uma família com estudos e facilidade económica. Sou mais crítica do que outras jovens, tive mais oportunidades, como ler livros, por exemplo. Os meus pais são os dois professores efetivos e tenho dois irmãos mais velhos. Sempre desconfiámos de que o nosso pai podia sofrer de algum tipo de doença mental. Em casa, havia muitas discussões que pareciam uma paranoia. A minha mãe, com receio de se divorciar, não pedia ajuda, nem à sua família. Pedir ajuda era para ela uma fraqueza e não um ato de coragem. Só após uma situação de violência doméstica, em que a polícia foi chamada, acabariam por se divorciar.
Eu e os meus irmãos também ficámos doentes. Por volta dos 12, 13 anos, tive uma depressão, tratada com medicação. Entretanto, não escolhi os melhores caminhos. O que era fora do normal para mim era o normal.
Ao engravidar, acordei para a vida. Descobri com facilidade que estava grávida, pois o meu corpo estava diferente, o peito inchou logo. Chorei imenso, pensei no meu pai e em como iria reagir. Antes de ser professor, ele tinha sido seminarista durante 18 anos, e era por isso que em casa certos assuntos eram um tabu – como beijar, dar as mãos e a própria sexualidade. “Cuidado com os rapazes”, dizia-me. Eu pensava que engravidava só por dar um beijo. Sabia que o preservativo ia ajudar, mas do resto tinha medo. Cheguei a tomar pílulas do dia seguinte com frequência. Achava que se marcasse uma consulta de Planeamento Familiar o meu pai ia saber. A falta de educação sexual era enorme.
“No parto também sofri negligência médica”
Quando contei à minha mãe [professora de Ciências] que estava grávida, ela disse-me que já estava à espera. Tinha-lhe pedido ajuda para começar a tomar a pílula anticoncecional, mas ela só me disse para não fazer sexo. “Não vai ser uma futura avó a dizer para tu abortares.” Até hoje, essa frase toca-me muito, pela positiva. Se abortar já me fazia confusão – e esse foi o conselho do meu pai –, ter o bebé e entregá-lo para adoção seria ainda mais agressivo.
O pai do meu filho ficou muito feliz, acompanhou-me durante a gravidez e o parto. Fui para a frente com a gravidez, consciente de que era menor de idade, sem os estudos terminados e a viver uma relação tóxica. Continuei a estudar [curso de restauração] e contei à professora. Só pensava em acabar os estudos obrigatórios e sair de casa. Os problemas em casa eram os mesmos e, com um bebé a caminho, era ainda mais preocupante.
No parto também sofri discriminação e negligência médica, ao terem deixado restos de placenta no útero. Tinha muitas dores e só me diziam: “É natural, és muito nova.” Tive alta, fui para casa com febre, não conseguia andar, parecia que tinha uma faca espetada dentro de mim.
Pedia ajuda às assistentes sociais das Comissões de Proteção de Crianças e Jovens, que já tinham a minha família referenciada. Só quando houve a situação de violência doméstica, já depois de o meu filho ter nascido, e a polícia foi lá a casa, é que apareceu a assistente social.
Não tinha muitas esperanças para nada. Nessa altura, já estava separada do pai do meu filho, porque ele era violento e não queria que o meu filho um dia assistisse a qualquer situação. Pensava: “Não vou ser igual à minha mãe.”
A assistente social trouxe-me para a Casa de Santo António. Tinha ideia de que uma instituição era um sítio com câmaras de vigilância, seguranças e psicólogos disponíveis 24 horas. Ainda fiz uma entrevista com a diretora, Mafalda Simões Coelho, a única pessoa que acreditou em mim, no meu pedido de ajuda.
Ter tido um filho tão nova é um entrave para fazer planos, não vou romantizar isso. Amo ser mãe, porque foi o que me salvou, me fez procurar ter uma vida saudável e me fez deixar de pensar em suicídio.
Fiquei na Casa de Santo António dos 16 aos 20 anos, onde tentei fazer o meu próprio mundo e estar focada só em mim e na criança. Não tinha esperança individual. Tornei-me uma pessoa diferente. Havia uma queixa de violência doméstica e havia outro caso em tribunal por causa da guarda da criança. O pai do meu filho, com a sua família, quis tirar-me o menino. Foram várias as lutas.
Andei a estabilizar a minha situação com a minha família. Até o meu tio da América me telefonava! Esses quatro anos deram também para estudar Design de Moda e realizar um sonho. Estagiei no atelier do estilista Dino Alves, na ModaLisboa e no Teatro Dona Maria II. Em todas essas experiências, os meus olhos brilhavam.
Sou administrativa num call center, há cerca de seis anos, estou efetiva na empresa, a receber o salário mínimo e com horário adequado para cuidar do meu filho [diagnosticado com défice de atenção e hiperatividade].
Durante a pandemia, ainda fiz o curso online de auxiliar veterinária, já consegui tirar a carta de condução e comprar um carro.
Assim que saí da instituição e tive a minha casa, percebi que é possível viver bons momentos. Só tinha medo dos meus próprios pensamentos. Tive de me concentrar em mim e em ter saúde mental, manter-me estável para mim e para o meu filho. Agora já sinto muito prazer em coisas supersimples que antes me aborreciam, como ver um filme em silêncio ou entreter-me com o meu coelho de estimação. Hoje em dia, já não sinto necessidade de me colocar em situações perigosas. Pelo contrário, busco uma paz constante.
Depoimento recolhido por Sónia Calheiros