Lisboa, 07 Abr (Lusa) – Racismo, clandestinidade, segregação e “apartheid escolar” são problemas que afectam a comunidade cigana, 500 anos depois de lhe ser reconhecida a cidadania portuguesa, alertam antropólogos e representantes da comunidade no Dia Internacional dos Ciganos, que se comemora quarta-feira.
Lembrando a história de racismo associada aos negros da América, o antropólogo José Gabriel Bastos, da Universidade Nova de Lisboa, considerou que “os ciganos são os pretos da Europa”, explicando que tudo o que é associado ao racismo norte-americano contra indivíduos da raça negra – xenofobia, segregação, marginalização, violência contra um grupo – acontece ainda hoje contra a etnia cigana, não só em Portugal, mas em toda a União Europeia.
“Na Europa, o objecto do racismo são os ciganos e não os africanos, como se pensa”, rematou José Gabriel Bastos.
Em Portugal, um estudo de uma equipa europeia que trabalhou em escolas, citado pelo antropólogo, concluía que 32 por cento dos jovens tinham comportamentos racistas e 66 por cento dessas atitudes eram dirigidas a membros da etnia cigana.
Artur Carmo, jovem da etnia com 25 anos, exemplifica que sempre que os ciganos vão a centros comerciais são “olhados como cães” e lembra um comentário em que a etnia cigana era classificada como “parasita”.
Os últimos dados indicam que existem cerca de 50 mil portugueses ciganos, mas José Gabriel Bastos admite que o número real seja “o dobro, porque muitos vivem na clandestinidade por temerem que assumir a sua etnia lhes traga problemas no emprego”.
Artur Carmo contou à Lusa que “nunca negou ser cigano”, mas sente, “mesmo que ninguém o diga na cara”, que não tem as mesmas oportunidades de emprego por ser da etnia.
“Quando vou à procura de trabalho, reparam na minha cor e sou excluído por causa disso. Dizem que a vaga já está preenchida, mas quando saio continuam a fazer entrevistas às outras pessoas”, disse.
Lembrou ainda que foi despedido do último emprego que teve, há cerca de um ano e meio, porque teve de “cumprir uma tradição de família”.
“Quando o meu pai morreu, eu tive de deixar crescer o cabelo e a barba e vestir-me de preto [tradição do luto cigano]. Assim que isso começou a notar-se mandaram-me embora”, explicou.
Além da discriminação no emprego, os investigadores contactados pela Lusa apontam outros problemas, como a “segregação”, tanto “habitacional” como “educacional”.
Criar “bairros sociais longe do centro da cidade e só com ciganos pode originar a formação de guetos e isso é mais uma desvantagem para a comunidade”, afirmou o investigador Daniel Seabra Lopes, do Instituto de Ciências Sociais (ICS), criticando as autarquias por “cederem a pressões de moradores não ciganos para segregar as outras comunidades”.
Questionado sobre as escolas que criaram turmas específicas para alunos de etnia cigana, o professor José Gabriel Bastos acusou o Estado português de estar a ser o promotor de “um apartheid escolar”.
Para responder aos problemas de racismo, segregação e clandestinidade, os investigadores contactados pela Lusa apontam soluções como a discriminação positiva (reservando uma parcela dos empregos públicos para a etnia) e a integração das famílias na malha urbana.
Acerca da fraca frequência escolar, que também foi notada na investigação dos antropólogos contactados pela Lusa, José Gabriel Bastos sublinhou que seria necessário fazer escolas de ciganos – ideia que foi corroborada pelo presidente da Associação Cristã de Apoio à Juventude Cigana (ACAJUCI), António Pires Nunes.
“Temos a tendência de manter a nossa tradição, por isso seria bom que mobilizassem as mães para estar com as crianças na escola ou que se incentivasse a formação de professores, escolhidos por nós, da etnia cigana, uma vez que estamos muito preocupados com as nossas tradições”, defendeu António Pinto Nunes.
Outras medidas para a inclusão da etnia passariam ainda pela criação de um provedor dos ciganos (para impedir situações de discriminação), a educação das polícias contra o racismo e a criação de um dispositivo anti-racismo.
SZP/FPA.
Lusa/fim