Está de volta aos palcos um dos melhores músicos de guitarra portuguesa na sua geração. Só que desta vez, José Manuel Neto, 44 anos, guitarrista de Camané e Carlos do Carmo, vê o seu nome escrito em letras grande no cartaz. Os convidados, claro está, são muitos. Mas ele é a atração principal, no próximo dia 22, às 21 h, no Grande Auditório do CCB.
Vestido casualmente de preto, como nos espetáculos, de voz rouca e grave, José Manuel Neto confessa-se “esquivo” a entrevistas. Característica natural, por certo, de quem ao longo de décadas de carreira se tem expressado, longe dos holofotes, com o dedilhar das cordas da guitarra portuguesa. A elite artística considera-o hoje um dos melhores artistas da sua geração, pela formação musical completa e multifacetada, pelo estilo próprio que construiu e pelo reconhecimento artístico que tem granjeado ao lado de grandes nomes do Fado como Camané, Carlos do Carmo, Alina Duarte ou Mariza.
Filho da fadista Deolinda Maria, José Manuel Neto nasceu em Lisboa, a 29 de outubro de 1972. “Já ouvia fados na barriga da minha mãe”, conta, ao JL. A primeira guitarra ofereceu-a um amigo, tinha nove anos. “Ele começou por me ensinar a tocar o Fado das Horas, mas depois nunca mais liguei à guitarra”. A mãe bem queria incutir-lhe essa vocação, mas, diz, como as crianças têm tendência para não fazer o que as mães querem, “nunca queria” tocar Fado. Tocava “o que ouvia”, inclusive músicas de desenhos animados.
A mãe incentivava-o, ainda assim, a tocar junto de outros colegas fadistas e guitarristas. “Já tinha o Fado por dentro, mas dizia que não sabia”. Aos 14 anos, o guitarrista José Inácio ensinou-lhe alguns acordes. “Já conhecia então o reportório da minha mãe e já podia tocar para ela, mas só aderi quando me apercebi que gostava realmente do instrumento”.
Edgar Nogueira e Manuel Martins seguiram-se como seus mestres. A adolescência abriu-lhe caminho para a agitação das participações viajadas entre Lisboa, Algarve, Bélgica e Suíça. A aprendizagem “por tradição oral” dotou-o das ferramentas necessárias para ir maturando a técnica e o estilo, processo pautado pelo seu empenho e disciplina. “Tocava à noite, nas casas de fado com outros músicos e guitarristas. Assim é que começou tudo”.
Aprendeu com os melhores a arte de acompanhar o fadista e considera essa uma das suas marcas enquanto músico: “O respeito que há face a quem está a cantar, porque acompanhar é o guitarrista não se exibir e não tocar por cima. É uma arte muito difícil de fazer bem e gostava de vir a fazer melhor”. E a dinâmica entre o guitarrista e o músico que toca viola? “Às vezes nem precisam de olhar entre si, há muita cumplicidade. E há também espaço para o improviso: nenhum fado é tocado ou cantado duas vezes iguais”. No palco, garante, “somos completamente engolidos pelo som e o timbre da guitarra, que é único no mundo”. A experiência e qualidade dos músicos leva-os a reconhecer a linguagem do Fado em qualquer circunstância. As emoções são universais.
O concerto de José Manuel Neto vai abrilhantar o ciclo Há Fado no Cais 2016, dedicado ao Fado no Centro Cultural de Belém. O músico irá receber Rão Kyao, Ricardo Ribeiro e António Rocha como convidados especiais e tem preparado 11 temas, com arranjos da sua autoria e outras interpretações inéditas tocadas em guitarra portuguesa. Em março deverá sair o seu primeiro álbum a solo.