De Chopin, Nelson Freire reúne o Impromptu n.°3, op. 51, a Balada n.º 4, op. 52, a Berceuse op.57, as três Mazurkas, op. 50, e a “Polonaise Heroïque”, op. 53 -contemporâneas da Grande Fantasia em fá menor -, num percurso que abre caminho até ao 2.º Concerto para piano e orquestra, op. 21.
Chopin, com Nelson Freire, é sempre uma revelação, um mundo que se abre, além de qualquer ideia feita, assumindo a essência do Romantismo, a sua força, a lucidez, a perspetiva de um tempo em transformação, sem cedência à melancolia. O caráter passional, o virtuosismo mais exigente, o desafio à técnica estão sempre presentes – trate-se da afirmação das “mazurcas” e da “polonaise”, ou dessa belíssima Balada, a última, em Fá menor, que se encontra decerto entre as mais importantes obras do compositor.
Com Freire, é a elegância que se impõe, o conhecimento, o saber. Num disco de excelência, o Larghetto do Concerto é um dos momentos mais altos, à semelhança da Balada. Perfeição é a palavra certa. Na entrevista que acompanha o CD, Freire destaca a sofisticação do 2.º Concerto, de Chopin, os desafios que coloca. A interpretação reúne a Orquestra Gürzenich de Colónia e o jovem maestro Lionel Bringuier, que arrisca sublinhar o requinte da orquestração.
Se o disco de Chopin deslumbra, Beethoven é o expoente. Freire e Chailly escolheram o 5.º Concerto para iniciarem a integral do mestre de Bona, com a Orquestra Gewandhaus de Leipzig. E, para completar o programa deste primeiro “volume”, a escolha recai noutra grande obra do compositor, a derradeira Sonata para piano, a n.º 32, op. 111. Concerto e Sonata representam o culminar do pensamento de Beethoven, em dois géneros que levou a lugares nunca antes imaginados.
À semelhança do disco anterior, também este é acompanhado de uma entrevista conduzida pelo antigo diretor da Gramophon, James Jolly, em torno da interpretação, das obras, de Beethoven e do seu tempo. A cumplicidade com Chailly e a orquestra não é esquecida: “É uma parceria maravilhosa”, afirma o pianista. Nem mais. Uma parceria maravilhosa, num disco primoroso, em bom gosto, nobreza e a mais pura sinceridade.
O pianista que continua a citar as suas origens e a inspiração inicial da pianista brasileira Guiomar Novaes, como acontece na conversa com James Jolly, vai regressar a Portugal no final da próxima semana – sábado, 09 de maio – , para o recital de abertura do Festival de Sintra, no Centro Olga Cadaval.
Nelson Freire venceu a 2.ª edição do concurso internacional Vianna da Motta, em 1964, e foi um dos jovens talentos acolhidos desde as primeiras edições do Festival de Sintra. O presente recital faz parte do percurso de celebração dos seus 70 anos.
O programa atravessa três séculos da essência da música para piano: dois corais de Johann Sebastian Bach, segundo Busoni e Myra Hess; a Sonata n.º 31, em Lá bemol maior, op.110, de Beethoven; três Danças Fantásticas, de Chostakovitch; “La plus que lente” e “Étude pour les arpèges composées”, de Debussy; e, por fim, Chopin, a Barcarola op.60, e esse milagre, que é a 4.ª Balada, em Fá menor. Tudo, com o saber de Nelson Freire. Que mais se pode querer?J Maria Augusta Gonçalves