“Mas tu não és de Vila do Conde?”, pergunta-me algum ingénuo, habituado a encontrar-me por ali, todos os anos. E já lá vão 10. Lembro-me da primeira vez, de mochila às costas, moído da viagem de comboio (ainda não havia metro). Após uma caminhada lá descobri o Auditório Municipal, pequeno mas simpático, com uma esplanada para andar nos copos com os artistas. O que para um jornalista é tão útil como ver muitos filmes. Por sorte, encontrei logo alguns amigos que naquele ano definiram o ambiente. De memória não me lembro quem ganhou o prémio principal. Mas sei que Estou Perto, o primeiro filme de Sandro Aguilar, recebeu o entretanto extinto prémio jovem cineasta. E eu gostei tanto do filme que marquei logo uma entrevista. Depois, o Sandro montou a sua própria produtora, O Som e A Fúria. E, ao longo dos anos, em Vila do Conde, enquanto eu próprio crescia, vi-a crescer. Vi os filmes do Sandro, um por um, quando estrearam, e alimentei horas de conversa sobre eles, porque quase todos colocam muitas perguntas e dão poucas respostas. Assim como vi praticamente todas as obras d?O Som e a Fúria, deixando-me fascinar particularmente pelo universo de Miguel Gomes. Ainda hoje não sei o que é, mas há qualquer coisa que define o estilo da produtora. Acredito que, numa prova cega, se pusessem dez filmes à frente eu descobriria qual é que tinha sido produzido ali. E assim, através de uma personalidade, se define uma geração, a que já chamaram geração curtas, e que coincide com a minha (embora eu esteja do lado menos nobre da barricada, aquele que não cria, apenas observa e comenta). Todos nós crescemos. E os filmes também. Passaram de curtas para longas. O Miguel Gomes já tem duas. E o Sandro estreou a sua primeira no Indie Lisboa deste ano. Aparentemente, é como se se mantivesse rigorosamente fiel a uma insondável carta de princípios estéticos. Também o festival cresceu. Passou da eterna incógnita do financiamento ao subsídio plurianual. E a sua esmerada direcção respondeu com uma programação variada e exigente numa pequena cidade periférica que, aos poucos, se confunde com o festival. E, ao longo desta década, Vila do Conde tem sido uma autêntica escola para mim. A ela devo muito do que aprendi sobre cinema. E da próxima vez que me perguntarem: “Mas tu não és de Vila do Conde?” Eu respondo: “Sim, na primeira semana de Julho de cada ano”.
Cresci em Vila do Conde
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