Álvaro apercebeu-se de que alguma coisa estranha se passava com o seu telemóvel quando, no final de uma mensagem corriqueira enviada a um amigo, a escrita inteligente substituiu abraço por avô. Ficou: “Vemo-nos amanhã no sítio do costume :) avô”. Quando deu por ela a mensagem já tinha seguido. Nada de grave. Ao recebê-la, Pedro terá eventualmente estranhado, mas todos sabemos que a escrita inteligente prega as suas partidas.
Aquilo era apenas o começo. A escrita inteligente tentava adivinhar sempre o que ele queria dizer. Contudo, a do telemóvel de Álvaro parecia estar a adquirir um conceito muito peculiar sobre a sua tarefa, como se tivesse sido programada por algum psicanalista louco, quiçá o próprio Freud. Quando ele falava em saudades, por exemplo, ele substituía invariavelmente pela palavra “mãe”. E às vezes até chegava a ser bastante complexo. Se escrevia pai, entendia: “Domingo vou buscar-te para jogarmos à bola no jardim, eu vou à baliza, defendo os teus remates. Depois comemos um gelado de baunilha e jogamos às cartas – eu faço batota para te deixar ganhar”. Quando escrevia praia: “A tia diz que depois de comer uma sandes de queijo tenho que esperar 15 minutos para tomar banho, por isso o melhor é comê-la dentro de água, pois assim evita-se o risco de choque térmico.”
Em alguns momentos, a indiscrição do telemóvel chegava a ser embaraçosa. Certo dia enviou uma mensagem à Sofia, uma colega de trabalho que tinha convidado para ir ao cinema. Dizia: “Queres ir ver o filme do Woody Allen? Bjs” O telemóvel escreveu: “Queres ir ver o filme do Woody Allen? E depois levo-te para minha casa e fazemos amor até amanhecer”. Demorou quase um mês a desfazer o equívoco. Não havia como lhe explicar que o telemóvel tinha vontade própria. Tentava dizer-lhe que nunca teria escrito aquilo assim, sem demasiada veemência, pois também não poderia correr o risco de que ela ficasse ofendida por ele não a desejar sexualmente.
Passaram largas semanas sem sequer se falarem. Durante esse período, Álvaro foi-se apercebendo de quanto gostava de Sofia, não como parceira de circunstância, mas de forma mais profunda. Ao mesmo tempo, irritou-se com aquele maléfico telemóvel, que lhe adivinhava pensamentos e sentimentos, mas, antes de o deitar fora, decidiu dar-lhe uma última oportunidade. Escreveu apenas: “Sofia, fazes-me falta”. O telemóvel traduziu: “Sofia, o teu sorriso lembra-me a minha mãe, a tua forma de estar, a minha avó. Quero passear contigo de mão dada em todos os jardins do mundo, quero contar-te os meus segredos mais íntimos, quero que te mudes para a minha casa ou eu para a tua, quero ter filhos contigo, quero viver ao teu lado. Quero-te, já disse, quero-te”.