Um serviço de streaming musical pediu-me, enquanto responsável pela música pop do JL, uma playlist com as melhores canções de 2015. Portuguesas ou estrangeiras, populares ou experimentais, indies ou mainstream… Tanto faz, desde que sejam canções. Um desafio simultaneamente estimulante e ingrato, que não deve ser levado demasiado a sério. Vale o que vale, como as sondagens e quase tudo o resto. Enfim, como escreveu Guimarães Rosa: “Pãos ou pães é questão de opiniães”.
Sinal dos tempos é que, ao contrário do que aconteceu em anos anteriores, pediram-me canções em vez de álbuns. A canção é a quintessência da música pop. Foi por aí que tudo começou e é o que tem perdurado ao longo dos tempos. O pop-rock constrói-se sobretudo através dos hits. Os hits do Elvis que se vendiam em singles e EP. Os hits dos Beatles que passavam na rádio. Os hits do Michael Jackson vistos na MTV.
A determinada altura, a cultura do single, pelo menos em determinados meios, foi substituída pela cultura do álbum. Isso aconteceu com o aparecimento dos álbuns conceptuais, cujo exemplo máximo é Sargent Peppers dos Beatles. Nos anos 70, a tendência intensificou-se, até porque algumas bandas apuraram a ideia de álbum conceptual, criando temas mais longos e entrecruzados que contrariavam totalmente a ideia do single. Nos anos 80, o single continuava e as duas realidades conviviam, mas reinventou-se o máxi-single. Este máxi-single já não era uma espécie de mini-LP com quatro temas, como acontecia nos anos 50 e 60, mas antes uma oportunidade para apresentar versões mais longas e remisturadas dos hits, sobretudo na música mais dançável.
Na década seguinte, os anos 90, o CD passou a tomar conta do mercado. E apesar da coexistência de cd-singles, vingou novamente o formato longo. Se nos LP havia uma preocupação especial com o início do lado A e do lado B, tal deixou de fazer sentido. E o pioneiro Brian Eno até tratou de fazer um CD com um só tema de 78 minutos sem interrupções, como não seria possível no formato anterior.
O CD, vendido como o suprassumo da barbatana, acabou por se revelar um dos mais efémeros suportes. E ironicamente com o advento dos ficheiros e dos serviços de streaming, o pop recuperou o seu formato primordial, e hoje procuram-se essencialmente canções. Por mais que se queria defender a pureza artística, é inevitável constatar que o formato condiciona o conteúdo tanto ou mais do que o conteúdo condiciona o formato. Também é verdade que o formato virtual permite a construção de temas ininterruptos de longas horas. Mas, aparentemente, estão todos mais interessados em canções.