Portugal é um país sem eira e cada vez menos gente na Beira. Em tempos idos uma viagem de Lisboa a Foz Côa era aventura para várias semanas, caminhar ou cavalgar em trilho acidentado e exposto a perigos, subir e descer serras íngremes até chegar a trás dos montes. O país parecia enorme. Hoje, a viagem faz-se entre autoestradas e IP, mas ainda assim dura quase quatro horas. Contudo, quase ninguém vai lá. As autoestradas tornaram o país mais curto, mas o preço da gasolina e das portagens tornou as viagens financeiramente incomportáveis. É um dos muitos paradoxos em que vivemos.
Vale a pena arriscar a viagem. Em Foz Côa, no fundo do vale, há para lá umas gravuras que, em tempos, fizeram parar uma barragem. Remotos tempos de decência, que hoje parecem tão afastados, em que alguns princípios (neste caso de memória coletiva) por vezes se sobrepunham aos grandes interesses económicos. Foi-se a moral e ficou a história. As gravuras podem ser visitadas, com guia. Há visitas diárias, com portugueses e estrangeiros, que desfrutam dos dois patrimónios da humanidade da região: as gravuras e a paisagem vinícola. Em algumas dessas imagens, há a tentativa de representar o movimento, como se fossem dois ou três frames. O que clarifica uma ideia: desde tempos remotos que o Homem anda à procura da simulação de cinema. O cinema só não foi inventado anos porque o Homem não foi tecnologicamente capaz.
No Museu do Côa está patente uma exposição com fotografias de Leonardo Buñuel, o pai de Luís. É o que sobre do Cinecôa 2013. Tratam-se de fotografia estereoscópicas, uma espécie de passado distante do 3D. Levanta-se questão parecida: a maioria das opções artísticas no cinema resultam da capacidade tecnológica. Os filmes foram mudos até se inventar o som. Mas o cinema mudo não o era no verdadeiro sentido da palavra: as personagens falavam, nós não as conseguíamos ouvir porque a tecnologia não o deixava, contudo o realizador resolveu esse problema com o artefacto das legendas nos separadores. O mesmo acontece com a cor. O cinema só foi a preto-e-branco até à invenção da cor. Mas mesmo os primeiros realizadores tiveram a preocupação com a ideia de cor, usando filtros coloridos na película ou até tentando pintar os frames manualmente, um por um. Curiosamente, tal verifica-se com o 3D. Desde há muito, no cinema, na fotografia e na arte, que o Homem se esforça por criar a ideia de tridimensionalidade. Sejam isto feito por quadro hipnóticos, da Op Art, seja pelo trabalho de outro tipos de imagens, como os estereogramas (aquelas coisas que nos forçavam a esbulhar os olhos).
Estas fotografias estereoscópicas, que costumavam ser vistas através de uma maquineta inventada para o efeito, podem agora ser apreciadas através dos regulares óculos 3D. Não só conhecemos momentos da infância de Buñuel, com os pais e os irmãos, como os vemos em relevo. Uma experiência fascinante no futuro do passado. E um bom contraponto com Gravidade, de Alfonso Cuarón, que se estreia agora nos cinemas, uma experiência sensorial fantástica, do melhor que já se fez para salas Imax.