Portugal é um dos mais recentes países a entrar na Organização de Estados Ibero-americanos (OEI). Tal aconteceu em 2017, começando o escritório a funcionar apenas no ano seguinte. Depois de Portugal apenas Cuba se associou, faltando apenas, dentro panorama latino-americano, um escritório na Venezuela. É assim uma das mais abrangentes instituições internacionais, abrangendo 23 países, com sede em Madrid, que tem desenvolvido centenas de projetos, com especial ênfase na educação, com o objetivo geral de reduzir as fortes assimetrias da região.
O escritório português tem, neste momento, 13 projetos em curso, com destaque para os planos de Educação para a Cidadania ou Educação e Direitos Humanos, mas também a promoção do multilinguismo na zona.
Ana Paula Laborinho, diretora da OEI em Portugal, acumula o cargo com a da direção do departamento de multilinguismo da OEI. Doutorada em Estudos Literários, pela Fac. de Letras da Un. de Lisboa, de que é profª, foi presidente do Instituto Português do Oriente, de 1996 a 2002, e presidente do Instituto Camões de 2010 a 2017.
Jornal de Letras: Qual é o âmbito da OEI?
Ana Paula Laborinho: Somos uma organização com mais de 70 anos, criada no pós-guerra. Começa por se dedicar à educação, com a ideia de que é o principal elemento transformador das sociedades em fase de desenvolvimento. Tudo isto começa entre Espanha e América de língua espanhola. só mais tarde entrou o Brasil e ainda depois Portugal. Operamos numa região com grandes convulsões sociais e altos e baixos do ponto de vista democrático.
Mas, entretanto, foi abrangendo outras áreas…
Hoje os três grandes vetores são a Educação (incluindo o ensino superior), a Ciência e a Cultura. Aliás, se há algum elemento aglutinador da região é mesmo a Cultura, é através dela que se encontram mais pontos de contacto, uma linguagem comum. Trata-se de uma região com enormes assimetrias socioeconómicas, com diferenças acentuadas entre cidades e espaço rural. Por isso fazemos trabalho de campo em projetos que possam ser de grande dimensão. Por exemplo, em 2008, estabeleceu-se o plano da educação para a geração do bicentenário da independência da América Latina. Conseguiram-se medidas muito concretas que todos os ministros subscreveram. Isso levou a que em toda a região haja 12 anos e escolaridade obrigatória, ou dar importância ao pré-escolar, e a ideia das competências para o séc. XXI.
A organização trabalha sempre em parceria?
O princípio da organização é não trabalhar sozinha, mas sempre com os governos ou com outras organizações. Temos mais de 500 projetos em andamento. O nosso lema é fazer a cooperação acontecer.
Acima de tudo executando projetos?
Somos muitos executivos, mas primeiro fazem-se estudos que apresentam recomendações para resolver problemas. As recomendações são levadas aos países que solicitam a intervenção e a partir daí começa se o trabalho.
Quer dar algum exemplo desse trabalho?
A digitalização da Educação. Com a pandemia percebeu-se que essa era uma das fragilidades da região. Por isso avançou-se com um, que se está a ser trabalhado cem com o banco ibero-americano para o desenvolvimento.
E em Portugal?
Portugal é um caso diferem tem porque não pertencemos ao grupo dos países em desenvolvimento. O governo português indicou-nos a prioridade de trabalhar nas questões da cidadania. Temo-lo feito quer com o apoio na construção de uma cátedra de Educação para a Cidadania, na Universidade do Porto, quer com a própria formação de professores.
Porquê a cidadania?
Essa foi sempre uma linha importantíssima na organização. Tínhamos inclusivamente um instituto de educação e direitos humanos. Fez a formação para a integração dos guerrilheiros na Colômbia para a integração na vida ativa. Hoje em dia temos, um programa de educação, democracia e igualdade porque o problema se tem vindo a agravar. Notamos um grande descontentamento com as democracias por parte dos jovens. Essa é uma enorme preocupação. Estamos a trabalhar de forma integrada em projetos concretos.
E o que vai de Portugal para a região?
Desvalorizamos muito o nosso modelo educativo, mas ele é muito apreciado internacionalmente. Organizámos um encontro para falar da Escola a tempo inteiro, que é considerada uma experiência pioneira. Vieram conhecer o modelo português, que não é apenas depositar as crianças na escola, mas também fazer que possam ter acesso a outro tipo de competências e, depois da pandemia, à recuperação das aprendizagens.
A pandemia afetou muito as políticas inclusivas na educação?
Antes da pandemia deparávamo-nos com as primeiras gerações a chegar às universidades, com um aumento muito grande de alunos no ensino superior. Com a pandemia houve retrocessos significativos em todos os domínios. Houve países em que as escolas encerraram mais do que um ano. Estava-se a recuperar nas taxas de abandono escolar, com a pandemia a tendência inverrteu-se e o problema agravou-se.
E o ensino superior?
É das regiões com menos mobilidade. Há muitas assimetrias. Não se pode esperar que se caminhe para um modelo europeu, com o de Bolonha. Assiste-se a um crescimento grande do número de alunos no ensino superior, mas a maior parte dos professores tem apenas o curso de licenciatura. Para que o movimento se torne sólido, é necessário uma maior formação de professores.
E na cultura?
Temos trabalhado a educação artística, através do plano nacional das artes e também na cultura digital, através de um maior acesso e na produção de conteúdos. Há uma cátedra de educação digital em Espanha.
Quais são os objetivos da OEI em Portugal?
Fomos criados em 2017, estamos a operar desde 2018. Depois de nós só foi criada a oficina de Cuba. Neste momento só não estamos na Venezuela. Há três grandes objetivos. O primeiro, que se tem vindo a cumprir, é tornar Portugal mais conhecido. Hoje há muitos pedidos de cooperação que por vezes se concretizam de forma bilateral. O segundo objetivo é uma aproximação à CPLP. Portugal é o único país europeu que pertence aos dois espaços, havia que melhorar esta cooperação triangular, estabelecendo sobretudo a ligação entre África e a América Latina. Somos a primeira organização internacional a ser admitida como observadora da CPLP.
E qual o terceiro objetivo?
A língua portuguesa. Em 2017, a organização era apenas de língua espanhola. A introdução do português tem-se vindo a acelerar muitíssimo. Sou a diretora geral de multilinguismo na organização. Hoje é uma organização bilingue de referência regional. Todas as nossas publicações passaram a ser feitas nas duas línguas.
E o que faz a direção de multilinguismo?
O projeto chapéu é a conferência internacional das línguas portuguesa e espanhola. Acabámos de realizar a terceira no Paraguai, com três línguas, incluindo o guarani, A próxima está prevista para 2025, em Cabo Verde. Estas conferências visam a construção de planos de ação. Saiu uma recomendação da Unesco para necessidade de uma ciência plurilingue, Temos trabalhado na tecnologia das línguas, coisas com a tradução e a transcrição automáticas…
Mais projetos?…
Estamos a trabalhar também a comunicação. Desenvolvemos um projeto na área da linguagem clara. Na América Latina há já muito trabalho junto da administração pública para que a linguagem utilizada seja mais próxima dos cidadãos, como forma de construção de democracia, para que os cidadãos possam perceber aquilo que é a comunicação em geral. Em Espanha, tal está a ser feito a nível dos tribunais, para que as peças processuais sejam mais viradas para a compreensão do cidadão.
Qual é o próximo grande desafio?
Temos 13 projetos no escritório. O próximo desafio é o 8º Congresso Iberoamericano de Cultura, em novembro, em que defendemos a cultura como fonte de desenvolvimento global, muito centrada nas questões da cidadania e da inovação, que termina com um painel sobre cultura e construção da paz.