Depois de Linha Vermelha, em que ‘desmontou, o histórico documentário Torre Bela, de Thomas Harlan, o realizador volta ao tema da Reforma Agrária, num curioso registo de ‘ficção do real’, em que acompanha um grupo de estrangeiros que integra uma cooperativa de trabalhadores, no pós 25 de Abril, impulsionados pelos ideias românticos da revolução. No filme, em que os protagonistas fazem de si próprios quando eram mais novos, surgem temas como o feminismo e a revolução sexual. Após as passagens por Locarno e DocLisboa, o filme chega finalmente às salas,
JL: Como chegou a este dispositivo original? Como construiu o filme?
José Filipe Costa: O filme foi construído a partir dos relatos orais e sobretudo escritos de estrangeiros e portugueses que vieram para as cooperativas no período revolucionário. Mas esses relatos são apenas uma base. A ideia era dar vida às palavras e às situações dramáticas escritas. E para tal pensei em dramatizar essas situações – pedir aos atores que as vivessem no presente.
Quem são estas personagens que habitam o seu filme? Como as conseguiu encontrar?
Cada personagem foi sugerindo outra. Para chegar aí conheci pessoas que me eram apresentadas a outras e assim sucessivamente, muitas vezes em almoços de convívio realizados na zona. Tivemos um grande facilitador, o António Rodrigues, de Manique do Intendente, que tinha um sentimento fortemente vivido da época e que escreve – há aliás uma peça dele que é parcialmente representada no filme.
São atores a fazer de si próprios quando eram mais novos? Como lhes explicou a ideia? De que forma é que eles participaram na construção do próprio argumento?
Foram realizadas algumas sessões preparatórias, com a atriz Sofia Cabrita, em que eram provocadas situações que os atores iam resolvendo. O pressuposto de que estavam a representar a sua memória foi logo aí lançado. Não queríamos que dramatizassem as situações tais como decorreram mas que falassem também como quem está no presente, misturando os tempos. No fundo há aqui um jogo com o tempo. Em vez de recordarem o que se passou, mostram-no, como se fosse presente.
Esse faz de conta transforma o filme num objeto essencialmente ficcional… É assim que o encara?
É um objeto ficcional com uma base fortemente documental. Mas, no final das contas, não me interessa muito compartimentar o género ou o formato. Prefiro que o filme desencadeie uma discussão sobre a sua configuração.
Ao contrário de Torre Bela (e indiretamente Linha Vermelha) em que se debatem essencialmente as questões políticas e sociais de um novo modelo de organização socio-económica, aqui parece interessarem-lhe mais os costumes e a ‘revolução sexual’ num meio porventura tradicionalista… É um filme feminista? O que tanto o fascinou à volta deste tema?
A sua atualidade. Ver naquilo que os atores diziam ou representavam as fundações daquilo que somos, como nos comportamos hoje. Está quase tudo ali. As formas das relações, os desequilíbrios dos papéis, aquilo que gerava desconforto nos estrangeiros ou portugueses que vinham do exterior e que se confrontavam com isso.
Qual foi a influência dos ‘estrangeiros’ na mudança de hábitos daquela gente?
Isso é algo que está por apurar com detalhe. É claro que geraram mudanças no meio para o qual vieram, mas o quanto e como isso aconteceu é difícil de entender. O filme toca nisso e sugere algumas mudanças: dizer ou escrever sobre algo é já uma forma de transformação