Para-me de Repente o Pensamento, de Jorge Pelicano, foi o grande vencedor do festival “Caminhos do Cinema Português”, cuja XX edição decorreu, de 14 a 22 de novembro, em Coimbra, ao acumular o Grande Prémio com o Prémio do Público. Organizado exclusivamente por estudantes, este é o único festival dedicado apenas ao cinema português. Foram mais de 60 filmes, entre curtas e longas, documentário, ficção e animação, reunindo-se a produção de dois anos de cinema português, uma vez que, em 2013, não houve “Caminhos” por falta de verbas. Este ano, o festival parece ter recuperado todo o seu fulgor, com sessões bem concorridas no Teatro Académico Gil Vicente, numa semana intensa prova da diversidade da sétima arte em Portugal. Além do terceiro filme de Pelicano, os principais prémios foram atribuídos a É o Amor, de João Canijo (melhor longa-metragem), E Agora? Lembra-me, de Joaquim Pinto (melhor documentário); O Primeiro Verão, de Adriano Mendes (revelação); A Bicicleta, de Luís Vieira Campos (melhor curta), O Coveiro, de André Gil da Mata (melhor animação) e Coro dos Amantes, de Tiago Guedes (Prémio de Imprensa).
Depois do multipremiado Pare Escute Olhe, um “documentário político” sobre a interrupção da Linha do Tua, Jorge Pelicano regressa assim com Para-me de Repente o Pensamento, rodado no Centro Hospitalar Conde de Ferreira, no Porto. Um filme, com o ator Miguel Borges, que nos ajuda a refletir sobre as fronteiras da loucura, que foi distinguido com o grande prémio dos Caminhos do Cinema Português, em Coimbra. Em 2015 deve estrear-se em sala.
Jornal de Letras: Pare Escute Olhe era um documentário de intervenção, Para-me de repente o pensamento é um documentário em que há a intervenção sobre a realidade de um hospital psiquiátrico, através da presença do ator Miguel Borges. Como surgiu a ideia para este filme?
Jorge Pelicano: Atrai-me o desconhecido. Noutras ocasiões fui procurá-lo a uma região, aqui encontro-o entre paredes. É um tipo de instituição a que poucas pessoas têm acesso, até porque é muito difícil conseguir as autorizações para filmar dentro de um hospital psiquiátrico. Também quis introduzir algo de novo na narrativa. Porque um hospital é algo muito fechado. Queria trazer algo de fora, vindo da nossa sociedade dita normal e integrá-lo com os utentes do hospital. Não queria aprofundar as histórias antigas dos doentes, mas sim a forma como interagem com a realidade, aproveitando o processo de pesquisa do ator. Entendi este filme como um update de como é a vida num hospital psiquiátrico.
O filme mostra o respeito por aquelas pessoas que têm um ponto de vista lúcido.
A câmara é como se fosse uma arma, pelo que temos que ser responsáveis pelo seu uso, mais ainda com aquelas pessoas. Não têm a noção do poder que a câmara tem. Por isso, devemos ter o bom senso de perceber essa linha de fronteiras.
Como conseguiu assegurar um cuidado estético tão raro em cinema documental?
A linguagem estética cinematográfica é marca do meu trabalho. Não gosto de adulterar a realidade. Mas há cuidado em atenuar a luz, para que ela incida sobre os objetos ou centros da narrativa que quero filmar. E há um gosto próprio na maneira como os enquadro. Além disso, filmo com lentes de fotografia. Tudo envolveu um trabalho de preparação. Estivemos três semanas sem câmara. A nossa presença tornou-se habitual e quando começámos a filmar sentimos que tínhamos ganho a confiança.