Um lugar para sentar
Nas madrugadas das noites em que o Benfica jogava, a imagem que ela recordava era a do avô a subir as escadas do prédio de gatas, sentando-se num e noutro degrau para descansar. O avô ficara famoso na freguesia por ter sobrevivido à sua própria morte. Ainda antes de ela ter nascido, o pai do seu pai fora atropelado, à beira de uma estrada, onde se sentara para repousar, no caminho de regresso a casa, depois de um jogo do glorioso. O jornal local dera a notícia e tudo. Mas era mentira. O avô erguera-se já na morgue, perante o susto dos presentes, como sempre se erguera nas manhãs seguintes e tratou de consertar o que havia para consertar na estrutura do seu esqueleto. A maca era demasiado dura e a morgue muito fria e não dava sequer para passar pelas brasas, explicara ele...Quando o Benfica perdia era ainda pior. Disso lembrava-se ela muito claramente, ainda que agora tenha quase a idade que o seu avô tinha então. Nestas noites e madrugadas, depois de escalar as escadas do prédio, tratava de partir quantas cadeiras havia em casa. Mas era apenas ruído. Logo na manhã seguinte consertava-as com esmero. Tudo o que ele queria, dizia sempre, à laia de desculpa ressacada, era um lugar para se sentar.
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