Diogo de Teive, célebre humanista português, nasceu em Braga, em 1513 ou 1514 e morreu em Lisboa, depois de 1569. Com cerca de 12 anos foi enviado a estudar para o Colégio de Santa Bárbara, em Paris. Aí viveu “sete anos ou mais”, até 1532, cursando Humanidades e posteriormente Artes. Evidenciando uma notável aptidão para escritor, deixa os estudos de Teologia em Paris e inicia estudos de Direito em Salamanca, seguindo depois para Toulouse. Ensinou em Bordéus e, em 1538, de regresso a Paris, exercita-se na língua de Homero, para conhecer directamente a literatura e a cultura grega, apesar do perigo, pois costumavam ser suspeitos de luteranos quantos nela eram versados. Em 1541-1542 está na Universidade de Moutauban, depois em Poitiers e Bordéus. Em 1544, André de Gouveia traz do Rei D. João III o convite oficial para Teive fazer parte do corpo docente do Colégio das Artes, em Coimbra. Em Março de 1547 dirigem-se a Portugal os grandes mestres e Teive trouxe de Bordéus a escol dos mestres de França, o chamado “grupo de bordaleses”, que vieram fundar em Coimbra o Colégio das Artes. Depois de tanto errar por terras de França traz na cabeça a coroa de louros e na mala a esperança, de fazer da cidade um grande centro de cultura europeia da sua época, não fossem os reveses da fortuna que, num instante, desfez e deitou por terra esse sonho.
Vítima das intrigas ideológicas entre os professores, Diogo de Teive, com João da Costa e Buchanan, veio a tornar-se alvo fácil da Inquisição, acusado de heresia a 10 de Agosto de 1550, que o prendeu de “31 de Julho a Setembro de 1551”, no Mosteiro dos Jerónimos, obrigando-o a confessar e abjurar os seus erros contra a religião católica. Em 1552 é reconduzido à docência do Colégio vindo a ser o quinto e último principal do Colégio das Artes, de Dezembro de 1554 a 10 de Setembro de 1555, data em que teve a ingrata missão de o entregar à direcção dos Jesuítas. Foi-lhe então vedado o magistério docente, pelo que abraçou a vida sacerdotal, que lhe oferecia estabilidade futura.
A obra de Diogo de Teive é muito vasta e toda ela escrita em latim. Foi autor de duas tragédias de assunto bíblico: David e Judith. O episódio de Golias e Davis, foi levada à cena em Santa Cruz, no Claustro da Portaria em 16 de Março de 1550, aquando do bacharelato de D. António, filho do Infante D. Luís. Figuraram como actores os alunos do Colégio das Artes. Ambas se perderam e só é possível avaliar os seus dotes de autor dramático e de cultor do teatro escolar através da Tragédia Ioannes Princeps, de assunto nacional e contemporâneo.
Em 22 de Dezembro de 1552 Teive profere a oração de louvor ao casamento do Príncipe D. João Manuel. Em 1554, escreve a Tragédia do Príncipe João, em latim, versando a morte do malogrado príncipe, ocorrida nesse mesmo ano. Nesta obra, sobre o último filho vivo de D. João III e de D. Catarina de Áustria, pais de uma prole de nove infantes que viriam a morrer consecutivamente, Teive põe em cena a dor pungente que prostrava todo o reino, levantando o problema político a que a sua morte veio dar início. Lembremos que o formoso príncipe, retratado por António Moro em 1552, casado nesse ano, com a formosíssima D. Joana, filha de Carlos V e irmã do futuro Filipe II, morre com 16 anos, sem a certeza de deixar descendência. Eram dois belos jovens que se amavam. A jovem princesa encontrava-se grávida do futuro Sebastião, o Desejado. E, para não inquietar o seu estado, durante dezoito dias, desde a morte do príncipe a 2 de Janeiro e o nascimento do filho a 20 do mesmo mês, a Corte simulou o trágico acontecimento e não se vestiu de luto.
A tragédia de Teive abre com o perigo e a morte iminente. À beira da morte, foi-se toda a fermosura do jovem príncipe. A rainha sonha que nove olhos lhe foram consecutivamente arrancados. O último olho apenas goza de uma réstia de luz. A simbologia é clara. Nuvens recobrem o peito da rainha mãe e a escuridão afronta a sua alma. A jovem princesa, em fim de tempo de gestação, impedida de ver o esposo amado, chama por ele. O gemido pungente da parturiente não obtém resposta. E, porque “as coisas humanas são incertas na sua ambiguidade”, na ficção, como na vida “O Príncipe, segurança única da pátria, está atacado de grave doença e vai morrer” mas, para que a notícia não chegue aos ouvidos da esposa, cujo parto se avizinha, e em cuja esperança estava agora a salvação do reino, iniciam-se em segredo as cerimónias fúnebres. O fingimento é confrangedor. A simulação das exéquias reais, obriga à encenação de um pedido do príncipe, já morto, requerido a seus pais, de uma ida ao Mosteiro de Belém, em acção de graças. O rei finge não aceitar e é a jovem parturiente, já viúva sem o saber, que vem em socorro do pedido do esposo, conseguindo a sua aprovação. Deste modo, pôde sair o ataúde do Paço real. A tragédia acaba em esperança pelas palavras do rei proclamando “a nós, um neto, e ao reino, um herdeiro – ela há-de dar”. De facto, dezoito dias mais tarde, a 20 de Janeiro, nascerá o futuro D. Sebastião, essa “maravilha fatal da nossa idade” no dizer de Camões.
A Tragédia do Príncipe D. João não chegou a ser representada mas, era essa a intenção, segundo as palavras de Diogo de Teive na Oração Panegírica de 1 de Setembro desse ano, alguns meses após a morte do Príncipe. Diz-nos Nair de Nazaré Castro Soares, na sua edição e tradução da obra para língua vernácula, que Mário Brandão em A Inquisição, volume II, p. 900, afirmava não haver notícia da sua representação, pois passada a comoção de tão trágico acontecimento, não teria havido ocasião de a levar à cena, talvez por falta de oportunidade.
A tragédia latina de Teive inspira-se em Séneca, que por sua vez é uma das fontes directas da Castro de António Ferreira. Sobre estas duas tragédias, Jacinto Prado Coelho, em Relendo a Castro de Ferreira refere que, nesta peça “só há acontecer dramático no espírito do Rei. O resto é elegíaco, passivo, lamentoso” e que “Na Ioannes Princeps a falta de movimento dramático é ainda mais evidente. Pode mesmo ser considerada uma tragédia de ideias”. O veredicto de condenação sem culpa provada é recorrente mas, como advogamos que só passando pelo crisol da representação é que, em boa verdade, se poderá concluir pela qualidade de um texto dramático, o melhor é mesmo que esse teatro seja representado.
Naquele fatídico 2 de Janeiro de 1554, perdeu o reino um príncipe ilustre, e os poetas o seu mecenas. É que, apesar dos seus verdes anos, grande era o gosto que sempre manifestara pela cultura das letras. E as obras a ele dedicadas, projectam alguns dos momentos mais solares da inteligência portuguesa.
2 de Janeiro de 2013
Silvina Pereira