França teve uma atividade intensíssima, em múltiplos campos, incluindo na colaboração na imprensa, em particular com a sua coluna Cartas Persas e com o Cinema de Paris. E o último órgão de comunicação social em que elas estiveram sedeadas foi aqui no JL: por isso, e porque só deixou de as escrever pela referida impossibilidade, mantivemos sempre o seu nome na lista dos nossos colaboradores – hoje pela última vez. Relembramos aqui o seu texto, “Vida a seguir”, para a edição 987 do JL, publicada a 12 de agosto de 2008:
“Autobiografia, autobiografia, quem a tem chama-lhe sua, e não é a mais obrigado… Subjectiva por natureza do moi haïssable -por que não, porém, desde que em objectos se satisfaça? É sempre uma questão de decência, e volto a aceitar segunda ou terceira encomenda do José Carlos de Vasconcelos, não me lembrando da anterior («já da outra vez V. me disse o mesmo»…), não decerto por modéstia, mas talvez porque já outra escrevi, de Memórias para o Ano 2000 que recomendo ao leitor mais curioso. Nelas contei tudo quanto tinha de contar ou para me contar. Nascido com 35 anos de esperança de vida que chegavam bem em Portugal, tinha então 78, que deviam chegar também, mas não chegaram, por mais uma década do século XXI dentro de que aqui, em adição ou suplemento, deve tratar-se. Matéria foi havendo para tanto e quem pode saber se para depois também, que a maior história é sempre a do futuro? Como não sabê-lo, neste ano vieirino? De qualquer modo, posso desde já anunciar duas ou três coisas para o futuro mais próximo, prontas que estão, pela parte que me cabe.
De momento, começo a escrever a uma mesa, em hábito já mui antigo do Jardim de Luxemburgo; depois continuei, à máquina, no meu Anjou semestral. Mas, se tiver espaço, ao fim destas quatro folhas, voltarei ao Luxemburgo, por comparação com a Estrela onde já ia aos três anos…
As referidas Memórias para o Ano 2000 (que seriam inesperadamente apresentadas no salão nobre da Câmara!) terminam comigo e com a Mahité, na manhã do primeiro dia de Janeiro desse ano mágico, a atravessar, ao frio, os Champ Elysées, por aposta de pequeno-almoço. Depois fui para casa, em Jarzé, e desatei a escrever romances!…
Assim foi mas não só. Eu conto, por autobiografia pedida
Eu decidira, sim, arrumar a pena do historiador (da arte, como se diz) e passar a diverso e antigo gosto de contar outras histórias, já (não sei se no acordo ortográfico) ditas estórias, short e não short. Arrumei então vários compromissos editoriais em reedições e actualizações, 1750 que foi preciso actualizar até 2000, e os dois últimos volumes que me couberam da História da Arte em Portugal, da Presença, que, preparados desde 1993, tiveram que ter actualização também. Recuperei então uns Lisboetas em anos 1920, 40 e 60 que tinham ficado encalhados num malogrado projecto de edição colectiva, reeditei, sem mudanças, um Rafael Bordalo Pinheiro e uma, Arte do Século XX em Portugal esgotados havia muito, em 3.ª e 4.ª edições, cumpri promessas de um livro sobre o Grémio Literário e da correspondência com Jorge de Sena, aceitei fazer outro de Cem Quadros do Século XX, com três edições e seis «essenciais» da Imprensa Nacional, que escolhi serem Bordalo, Columbano e Malhoa, o Amadeo, Almada e Pedro, em dois «Trios» que hei-de explicar em volume, depois. Ah, sim: ofereci-me um original sobre Monte Olivete, minha aldeia, por vizinhança bem antiga e saborosa.
Mas sobretudo, e fora da arrumação desejada, como de qualquer projecto que houvesse, vai sair em breve uma História Física e Moral de Lisboa em mais de 800 páginas, a que, de certo modo, me deixei convencer pelo Rogério Moura dos Livros Horizonte, a quem eu receitara a obra que outrem escreveria e eu prefaciaria. Virou-se-me o feitiço, e passei mais de três anos em obra, obrigado, por dever de ofício, a ir às placas tectónicas do princípio para, através de iberos, romanos e mouros, chegar a 1147 e por aí fora (com grande esforço bibliográfico de épocas que não são minhas), poder chegar ao terramoto de 1755 e, depois, ao ano de 2000. Os leitores olisiponenses avaliarão os «planos-conjuntos» da obra, e os «grandes planos», 23, que neles inseri, para benefício de outras tantas «datas-factos» significativas.
A história assim feita, como a entendo e em várias ocasiões profissionalmente expliquei, permitiu-me compensar, em tempos diversificados, a pressão de contador de estórias que ia e fui sendo, num equilíbrio conveniente. Dr. Jekill e Mister Hyde…
Este o «não só» de ter desatado a escrever romances no Verão do ano 2000, há oito anos já e parece que foi ontem! Vai ser o tema desta terceira folha A-4. Paciência, paciência…
… Para dizer que vão fazer 60 anos que publiquei uma Natureza Morta então apreciada e tirada das livrarias por ameaças de censura, e que teve 4.ª edição há pouco. Já parecia tempo para «voltar à ficção», como se diz, e pensei nisso, sinceramente, cerca de 1985, em Paris, para me defender de muitos trabalhos.
Contei-me então duas histórias, de Buridan e de Regra de Três, sem nada escrever o que vim a fazer só no tal Verão de 2000. Mas então, como para ver se ainda seria capaz, antes peguei num Facadas, novela inédita, de 1942, e dei continuação de vida às suas personagens, uns 40 anos mais tarde: é, naturalmente, A Volta do Facadas, e os dois textos vão sair agora após os seis romances depois escritos. Os tais dois há muito cogitados, e mais dois que são um tanto históricos, por tratarem de amores de Eça de Queiroz em Angers, nos anos 1880, e de sete anos da vida do Almada Negreiros na Lisboa dos anos 20, da «Brasileira», do Pessoa e do Nome de Guerra.
Não desgosto deles, mas o segundo não me parece ter sido bem visto, e tenho pena. Paciência! Agora vai sair o 2.º volume de Duas Vidas Portuguesas, João sem Terra, depois de Ricardo Coração de Leão, como se deve, embora sem qualquer mal entendido histórico nos títulos, que não são romances desses; a menos que como tal se entendam (e acho que muito bem) as vidas, interna e externa, dos dois heróis de anos 60/70 do nosso século nacional, de agruras e exílios. Guerra e Paz, que releio agora (o meu romance, não o de Tolstoi), para sair para o ano vai ser pior… De qualquer modo, faz 500 páginas, passa-se no Portugal de Salazar e na França de Pétain, e, depois, hoje em dia, por assim abreviar.
Com isto houve três volumes de Cenas, Quadros e Contos, muito breves, o terceiro dos quais tomou o nome de Garrett, por mor da pouca-vergonha pública da demolição da sua casa, à Estrela, há dois anos. E um outro volume idêntico trata de 50 Passamentos, imaginados, de gente célebre da nossa história história e literária ou artística.
… Basta de livros, porém, que não só deles vive (modo de dizer que não diz respeito a direitos de autor oh não!) o autobiografado, embora para livros tenha entretanto feito, com gosto, uma dúzia de prefácios às Minas de Salomão, ao Marquês da Bacalhoa, a Nuno Gonçalves até, e etc.
De exposições, além das já 30 desde 2000, no museu fundado em 2005 em Tomar, por dedicação natal, ficou para trás, em 1999, a de D. João VI, bem histórica, na Ajuda e no Rio, e para nunca mais. E de prémios, depois de 20 anos de presidência do júri da AICA, até me reformar em 2000 (e embora agora mesmo aceitasse a do Banif para poder dar, enfim!, um prémio de consagração ao Fernando Lemos exilado), só quero os do Grémio Literário, oitocentistas, em que me empenho, vai para três anos. Que mais? Artigos (o menos possível), entrevistas (também), júris de teses (idem), colóquios e conferências (mais do que idem) e só uma placa inaugurada, é verdade que com colóquio, num hotel de Angers onde o Eça conheceu a minha Bela Angevina; e a puxar o cordão com Monsieur Le Maire…
Houve também os 50 anos da Unicórnio, em exposição na Biblioteca Nacional, que me deram bom antigo posto. Ah, sim, bati-me também pela casa do Garrett, com brutos que a nada se moveram!…
Há cinco anos que laboro no conselho literário da Imprensa Nacional, e andei quatro anos pela Comissão do Património Mundial da UNESCO, a insistir por Lisboa Pombalina a ver se agora vai…
… Achará o simpático leitor que basta, para oito anos? Mais direi só que, em Lisboa, vou regularmente às Academias (na das Ciências apresentei há pouco o bom do Manoel de Oliveira, em honorário), ao Grémio, muito à Biblioteca Nacional (para a qual fiz um programa internet da historiografia da arte portuguesa) e à Cinemateca e (isso sim!) ao Jardim da Estrela da minha vizinhança de um quilómetro de raio, e que tem exactamente o contrário dos castanheiros racionalmente alinhados do Luxemburgo de um para outro sinal passeando meus ócios octogenários.
E trabalho no Anjou o resto do tempo. Entretanto, conheci, em Paris, a segunda bisneta, Victoire, de sua graça, irmã de Isaure.”