Nasci a 19 de janeiro 1979, no Seixal e sempre fui uma criança alegre e entusiasmada com a vida. Adorava música, mas o meu sonho de menina sempre foi ser enfermeira, com especialidade em pediatria para trabalhar com crianças.
Os anos passaram. O gosto pela música continuou e, aos 15 anos, num dos meus passeios pelas ruas da minha terra, vi a banda filarmónica desfilar. Algo em mim despertou, quando vi aquele grupo de músicos a tocar.
Na Sociedade Filarmónica União Seixalense, as aulas eram gratuitas e fiz a minha inscrição. Iniciei com muita motivação, as minhas aprendizagens em Formação Musical e o instrumento escolhido foi o saxofone. O meu professor e maestro Armindo Pereira Luís foi o impulsionador desta aventura e, meses mais tarde, ingressei na Academia de Música e Belas Artes Luísa Todi, onde aprofundei os meus estudos.
Passaram-se alguns anos e entre concertos com a Banda em questão e a Orquestra Ligeira da Cruz de Pau, conheci o nosso país de uma ponta a outra, onde o amor por esta arte foi crescendo.
Foi em novembro de 1997 que o meu interesse pelo ensino despertou. Ao terminar o 12ºano, recebi a inesperada proposta de lecionar numa Escola de Música em Lisboa. Depois de vivenciar esta nova aventura, decidi que queria ser professora de Educação Musical para o resto da minha vida.
Ingressei no Ensino Superior para a Licenciatura de Professores de Educação Musical do Ensino Básico, na Escola Superior de Educação de Setúbal IPS. Em simultâneo, lecionei em várias creches e jardins de infância, o que me ajudou a colocar em prática o que ia aprendendo. Tive a honra de estudar com os melhores professores da ESA, de que destaco o Professor José Carlos Godinho.
Assim que terminei a minha licenciatura, iniciei o meu percurso na Escola Pública. O choque foi grande, quando me apercebi que todos professores são reféns de uma lista de graduação e que o seu empenho e motivação em nada influencia a continuidade do seu trabalho. Em cada ano letivo, um novo recomeço, numa nova escola.
Aprendi aos poucos a gerir essa frustração mas nunca me conformei com esta realidade. Em todos os estabelecimentos de ensino pelos quais passei, trouxe comigo o exemplo de vários colegas que amam a profissão e que marcam a diferença na vida dos alunos. Destaco a Escola Básica e Secundária Ruy Luís Gomes e também o Agrupamento de Escolas Carlos Gargaté. Neste último, passei vários anos da minha carreira docente, onde desenvolvi projetos musicais que fizeram nascer em mim os ideais de ensino que muito defendo.
Depois de muitos anos a desenvolver a minha experiência na Escola Pública, iniciei as minhas funções de professora de Educação Musical no Colégio Atlântico, Seixal, onde leciono até aos dias de hoje.
Ao longo da minha experiência, sempre encontrei um conjunto de alunos pouco motivados para a disciplina e senti que a Educação Musical do 2ºciclo, tinha que chegar à sala de aula de uma forma mais prática e ativa, que fosse ao encontro dos gostos dos jovens que estavam à minha frente. Questionei os alunos sobre os estilos musicais que ouviam diariamente e sugeri uma pesquisa e interpretação de temas à sua escolha. Surgiram muitas apresentações e “aquele grupo” menos motivado anteriormente, participou ativamente.
Fui adaptando a envolvência dos alunos e propus estudarmos bandas e músicos que influenciaram os estilos musicais que nasceram nos últimos 20 anos. Para além de estudar e interpretar obras musicais aliciantes, conversámos sobre assuntos da sociedade inerentes a essas bandas, como as drogas, a homossexualidade, o bullying e a pobreza. Foi aí que os alunos ficaram sensibilizados com as carências alimentares que se encontravam no seu meio envolvente e quiseram fazer algo para ajudar.
Desta forma, surgiu a vontade de criar um projeto musical dentro da disciplina. Um concerto solidário que ajudasse quem mais precisa. Apadrinhámos a Associação de Ajuda Humanitária Dá-me a Tua Mão, na qual sou voluntária desde 2012.
O primeiro Concerto foi dado para os encarregados de educação, comunidade escolar e público em geral. Um sucesso. Como bilhete de entrada, solicitámos bens alimentares com o objetivo de ajudar pessoas carenciadas do concelho do Seixal através da Associação em questão.
No ano seguinte, o concerto ganhou mais força e formou-se também um coro de pais e funcionários que abriram o espetáculo. Decidimos que a bilheteira seria para ajudar na aquisição de uma carrinha nova de distribuição de alimentos a pessoas sem abrigo. E novamente conseguimos. A Câmara Municipal do Seixal assistiu ao nosso evento, ofereceu o restante valor e ainda levou o nosso espetáculo para o palco principal das Festas Populares do Seixal.
Nunca mais parámos. Os dois últimos temas trabalhados foram Queen e Michael Jackson. E outros palcos pisamos como o Altice Arena e o Casino do Estoril. O último concerto solidário realizou-se no dia 7 de março de 2020, a poucos dias de entrarmos em confinamento devido à Covid-19.
A partir daí tudo mudou. No início de abril, surgiu o convite ao colégio Atlântico, para integrar o corpo docente do #estudoemcasa. Projeto que dignificou toda a nossa equipa, mas que me deixou muito apreensiva…não queria de todo aceitar. A minha realização profissional sempre se pautou por fazer com que os meus alunos vivenciassem a música que há dentro deles. Tendo em conta que estaria sozinha, em frente à câmara, sem a musicalidade de uma criança, fez com que colocasse em causa o meu contributo para este desafio. A direção do colégio demoveu-me desta minha decisão, apelando ao facto de ser uma missão que acreditavam que estaria à altura. E, depois de uma noite sem dormir… aceitei.
Começou uma maratona de reuniões com a DGE, fiz vários contactos com colegas de Educação Musical e também com ex-professores da Escola Superior de Educação de Setúbal.
Chegou o derradeiro dia, o primeiro dia de gravação. Sem qualquer tipo de formação para estar perante uma equipa de realização, entrei muito nervosa e com medo de errar pois não existia nenhum suporte, como por exemplo um teleponto.
Fomos informados que as aulas seriam gravadas de seguida, sem cortes, como se estivéssemos dentro da nossa própria sala de aula. Foi nesse momento que descomprimi. Imaginei que estava no meu contexto escolar e deixei fluir.
Assisti à primeira aula na RTP memória. Estava ansiosa e receosa com a reação dos novos alunos espalhados por todo o país. Só que essa reação foi muito boa! Recebi inúmeras mensagens de vários cantos de Portugal e fiz questão de responder a todos, pois foram os responsáveis pela minha motivação em continuar e levar o projeto até ao fim.
Em setembro, voltámos às tão saudosas aulas presenciais e, no final de outubro, fui surpreendida com a Menção Honrosa de Inovação e Adaptação do Ensino à distância do Global Teacher Prize Portugal 2020. Nunca saberei traduzir em palavras o que senti com este reconhecimento. É uma honra enorme estar entre um leque de docentes extraordinários que me inspiram pela forma como ensinam. A responsabilidade de receber esta Menção Honrosa tem a consequência de querer fazer mais e melhor pelos meus alunos.
A partir desse momento, faço parte de grupo de professores que ama a profissão, que segue os seus ideais de ensino e que partilha em grupo as suas experiências em âmbito escolar. Agradeço esta oportunidade de crescimento profissional mas também pessoal, à Global Teacher Prize Portugal.
Inevitavelmente, o ano letivo desenvolve-se com grandes incertezas e, pela saúde de todos nós, voltámos ao confinamento. Não são tempos fáceis e não são as aulas perfeitas. Mas são as possíveis. Destaco a capacidade de resiliência dos alunos e a sua extraordinária capacidade de adaptação. Mas a sua presença na sala de aula é fundamental.
Durante o período de ensino a distância, saudade da escola é verbalizada pelas crianças a cada aula, a cada dia que passa. A educação também é afeto, partilha e envolvimento pessoal. Nada disto se vive atrás de uma câmara.
Que todos nós tenhamos algo a aprender com esta Pandemia. Encaro o presente e preparo o futuro, carregada de Esperança.
O autorretrato de Ângela Morais: De Michael Jackson ao #estudoemcasa
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AUTORRETRATO DE UMA PROFESSORA Ângela Morais, 42 anos, professora de música no Colégio Atlântico, um dos rostos do #estudoemcasa, recebeu uma menção honrosa no Global Teacher Prize Portugal, pelo seu trabalho inovador.