O nº 1 do JL foi para as bancas a 3 de março de 1981, uma terça-feira, dia em que inicialmente saía, quinzenal. A sua tiragem foi de 30 mil exemplares e, ultrapassando todas as expectativas, esgotou-se em poucos dias. Foram então impressos mais 10 mil exemplares, que haveriam também de esgotar (esse nº 1 foi ainda reimpresso, fac-similado, e oferecido com o nosso nº 1000). Não entro agora nas razões desse “sucesso”, nem da génese do jornal, dos preparativos e do trabalho que antecedeu a sua saída, porque não se trata aqui de fazer a sua história mas antes, no essencial, de lembrar o conteúdo e colaboradores de cada edição do nosso 1º ano de vida.
Na capa, que acima se reproduz, o ‘famoso’ 1 desenhado por João Abel Manta (JAM) – com chamadas por baixo, numa opção seguida, com variantes, nesta edição do 40º ANO. E, na contracapa, outra versão do mesmo 1, com um fundo diferente. A abrir a página 2, a uma coluna, uma espécie de “apresentação” do jornal pelo diretor, José Carlos de Vasconcelos, tendo ao lado a crónica de Agustina Bessa Luís, “A escala de Richter”, com um título que parece atual: “Cura na montanha e corrupção”. Na p. 3, ao cimo, um admirável desenho/retrato de José Cardoso Pires, por JAM, entrevistado pelo seu amigo, tão excelente jornalista como poeta, Fernando Assis Pacheco – com Augusto Abelaira e Eduardo Prado Coelho integrando o grupo que chami de “coordenadores”.
Seguiam-se assuntos, pequenas reportagens e notícias de atualidade, numa organização do espaço logo alterada no nº 2. Mas, antes, na p. 6, ainda a coluna “Zona Tórrida”, sobre literatura brasileira, de Irineu Garcia, um colaborador muito importante para a nossa relação com o Brasil. Entre as pequenas reportagens a de M. A. Pina, futuro Prémio Camões, sobre um grupo vocal do Porto, ou de Pedro Vieira sobre uma exposição de Júlio Pomar em Paris, com uma convessa com o artista – e entre as notícias a próxima 1ª edição da Poesia Completa de Herberto Helder. Depois, ainda artigos de opinião sobre cinema, televisão e rádio.
Chegavam então os ensaios: de Eduardo Lourenço sobre Jorge de Sena, com tres inéditos do poeta; de Eduardo Prado Coelho sobre Vergílio Ferreira, também com páginas inéditas da Conta-Corrente; de Fernando Belo sobre “A crise dos cristãos de esquerda” – e o “Amador de poemas”, de David Mourão-Ferreira. Pelo meio, a sempre surpreendente crónica de Augusto Abelaira, “Ao pé das letras”, no caso intitulada “O papel branco, afinal um tudo-nada pardacento”.
E também em matéria de crónicas o ‘conjunto’ é, creio, impressionante. De facto, além de Agustina e Abelaira, mais no fim da edição, temos a “Memória Infiel”, de Alexandre Pinheiro Torres (“O meu reino por uma escada”), “As palavras na areia”, de Nuno Bragança (“Primeiros Traços”) e o “Escrituralismo”, de José Sesinando (“Acerca da Música”). Esta, de um raro humor culto, que se há de impor como algo de diferente na imprensa portuguesa – sendo José Sesinando não um pseudónimo, como parece(u), mas parte do nome de… José Sesinando Palla e Carmo. Bem conhecido, mas só pelos dois últimos apelidos, também como ensísta e crítico.
Nesta qualidade, aliás, aparece a escrever sobre “Teoria Literária”, no último bloco do jornal, “Crítica”. Que começa com a de Manuel Maria Carrilho (futuro ministro da Cultura) ao livro Metamorfoses do Corpo, de José Gil, seguindo-se a de Paula Morão a quatro obras, uma delas a reedição das Novas Cartas Portuguesas, e a de Urbano Tavares Rodrigues a Resposta a Matilde, de Fernando Namora. A fechar. críticas de cinema, música, exposições, teatro: da autoria de personalidades já tão justamente consagradas como João de Freitas Branco a jovens como Maria João Brilhante, então com 24 anos, que escrevia sobre “O Judeu na fogueira do Nacional” – Nacional (D. Maria II) de que quase três décadas mais tarde seria presidente do Conselho de Administração.
Penso não ser excessivo dizer que o JL começou muito bem…