Um espetáculo do Teatro Praga, concebido e interpretado por Pedro Penim com a colaboração de Catarina Campino.
JL: Como surgiu a ideia de transformar Israel num objeto artístico?
Pedro Penim (PP): Há uns anos, fiz uma viagem a Israel que foi reveladora em muitos sentidos, mas sobretudo porque me apercebi de que há uma desinformação geral sobre o país. Passa-se o mesmo com outros, mas, em relação a Israel, esse desconhecimento perturbou-me especialmente porque senti que aquela terra me pertencia. Não no sentido de ter estado lá noutra vida ou algo assim, mas de haver qualquer coisa no meu discurso e pensamento que é de lá. Além disso, fascinou-me uma espécie de solicitação constante à reflexão e à ação que se prende com o facto de o país viver em conflito. Então, propus à Catarina (que também já lá tinha estado) pensarmos em transformar Israel num conceito artístico para uma peça de teatro.
E decidiram fazê-lo sob a forma de carta de amor. Porquê?
Catarina Campino (CC): A ideia do amor é real, surgiu como resposta sincera à questão “Como é que vamos pôr isto em cena?” Israel é a Europa de que eu gosto: uma Europa viva, que tem ideais e está disposta a dar o corpo ao manifesto por eles. Há esta Europa aqui, uma espécie de dona de casa a fazer compras com pouco dinheiro, e que já perdeu o ímpeto de viver, e há aquela, onde todos os dias são decisivos, e cujo contexto político e religioso faz com que o dia-a-dia seja reflexivo e sagrado, porque nada é dado como adquirido.
PP: Um dos aspetos que nos fez apaixonarmo-nos por Israel tem a ver com essa diferenciação. Aqui, é tudo mais homogéneo e estável, não economicamente, mas a História, a identidade étnica, a língua… Lá, há uma instabilidade latente em tudo que é muito produtiva e fascinante.
Esta ‘humanização’ de Israel, enquanto pessoa amada, quase dilui o facto de se estar a falar de um país…
PP: Sim. A ideia da história amorosa permitiu-nos uma abordagem mais pessoal e emocional, e, ao mesmo tempo, um discurso político, geográfico, social, etc., sem tomar posições. A posição dependerá de cada espetador. O texto está armadilhado de referências que vão ser lidas tanto por pessoas que conhecem o judaísmo ou a situação em Israel, como por outras mais desinformadas, mas o facto de reduzirmos o discurso a esta relação amorosa permite que haja uma identificação universal.
Estiveram um mês em Israel a recolher informação para a peça. Como foi essa experiência?
CC: Não queríamos escrever a peça como alguém que está de fora daquela realidade, mas também não nos queríamos transformar nela. Então, durante a residência suspendemos quaisquer preconceitos morais e isso permitiu-nos conversar e concordar com pessoas que, em teoria, não seríamos capazes. Ou mesmo não sentir medo quando estávamos em situações de perigo. Foi como se estivéssemos a viver uma ficção, e soubéssemos que não íamos morrer antes do final.
Houve alguma história particularmente marcante?
CC: Tantas… Encontrámo-nos com o suposto assassino do Yitzhak Rabin, e tivemos com ele, alegremente, a comer uma pita shoarma e a cantar a ‘Comandante Che Guevara’, depois de entrevistarmos, do outro lado da rua, o jornalista mais acérrimo da humanização do rosto da Palestina. Passámos por muitas situações assim, que exigiam um grande arcaboiço ético e artístico, porque tínhamos de ser credíveis; não bastava fingir que concordávamos.