Fábio Teixeira é coordenador do projeto galardoado, em 2019, com o Prémio Mantero Belard, que poderá, até ao final de 2022, trazer à luz do dia uma abordagem terapêutica “inovadora” para os doentes com Parkinson que combina farmacologia, medicina regenerativa e (bio)tecnologia. Para o investigador do Instituto de Investigação em Ciências da Vida e Saúde (ICVS) da Escola de Medicina da Universidade do Minho, este estudo “representa, assim, uma mudança de paradigma face às terapêuticas convencionais”. É um dos vencedores, em 2019, dos Prémios Santa Casa Neurociências– dos quais a VISÃO é parceira de média. Nesta entrevista, o investigador fala do seu projeto e de que forma pode ajudar mudar a vida dos doentes e conta ainda o que o levou a seguir esta área das neurociências.
Qual é o objetivo do projeto que coordena e que foi distinguido, em 2019, com o Prémio Mantero Belard?
O objetivo principal deste projeto de investigação é intervir na progressão da doença de Parkinson, ou seja, procurar modular ou atrasar a sua progressão.
E como pretendem conseguir intervir na progressão da doença?
Estamos a tentar desenvolver uma nova abordagem terapêutica através da combinação de três grandes conceitos, nomeadamente farmacologia, medicina regenerativa e (bio)tecnologia. Propomos a combinação de dois fármacos (já usados na prática clínica e que na literatura científica são descritos como potenciais modificadores da doença) com o secretoma de células estaminais e com a ultrassonografia focada que é guiada por ressonância magnética. A ultrassonografia focada pode permitir permeabilizar temporariamente a barreira hematoencefálica em áreas afetadas na doença de Parkinson.
Como é que com esta abordagem terapêutica podem contribuir para a melhoria da qualidade de vida dos doentes?
Assim, e de uma forma muito simples, o que pretendemos é o desenvolvimento de uma estratégia terapêutica multi-alvo que possa modular alguns dos mecanismos associados à progressão doença. E, pensando sob o ponto de vista translacional, isto é, para a clínica, refletir-se numa potencial melhoria na qualidade de vida dos doentes.
“Conjugando diferentes estratégias, procuraremos, não só ter impacto na componente motora (e não motora), mas também na própria progressão da doença”
Os doentes de Parkinson vão poder, em breve, beneficiar desta abordagem terapêutica?
Neste momento concreto, ainda não podemos falar propriamente em doentes, uma vez que o nosso estudo apenas está a ser executado, a nível laboratorial, através da utilização de modelos que mimetizam a doença de Parkinson. Contudo, isto não invalida que, com o decorrer do projecto e com os possíveis e potenciais resultados que possam ser obtidos, seja possível antever ou desenvolver um modelo preditivo que possa ser translacionável para os doentes.
Quando fala em “reparação da doença de Parkinson”, o que quer dizer?
Quanto ao termo reparação da doença, o que pretendemos dizer com este conceito e com base na nossa abordagem terapêutica, é que possivelmente – ou não – poderemos melhorar ou até mesmo reparar alguns dos mecanismos afetados na doença. Contudo, convém realçar que a doença de Parkinson é uma doença multifatorial, com muitos mecanismos e processos neurais alterados. Portanto, se com o presente projeto for possível modular um ou mais desses mecanismos, será, sem dúvida, um excelente resultado para o futuro desta investigação.
Em que é que esta abordagem terapêutica se diferencia da que já existe?
O nosso projeto vai um pouco mais além daquilo que tem sido a abordagem terapêutica da doença de Parkinson. Ou seja, a maioria dos tratamentos ou das estratégias terapêuticas disponíveis – farmacológicas ou cirúrgicas – apenas se tem focado na melhoria das debilidades motoras que a doença impõe e não na tentativa de intervir ou modular a sua progressão. É aqui que o nosso projeto marca pela diferença. Ou seja, conjugando diferentes estratégias, procuraremos, não só ter impacto na componente motora (e não motora), mas também na própria progressão da doença cujo objetivo é o de tentar atenuar e/ou atrasar a progressão da mesma.
Considera, então, que esta abordagem representa uma mudança no paradigma da Ciência?
Conceptualmente sim. O facto de estarmos a combinar três conceitos diferentes, por si só, já representa uma inovação e uma mudança de paradigma face às abordagens terapêuticas convencionais. O que nos encheu e enche de orgulho pelo reconhecimento e atribuição do Prémio Mantero Belard pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.
Essa mudança de paradigma passa também pela utilização do secretoma de células estaminais?
A utilização do secretoma de células estaminais representa, sem dúvida, uma mudança no paradigma, isto, se tivermos em mente as abordagens de terapia celular inicialmente indicadas para o tratamento da doença, nomeadamente a transplantação de células. Em estudos comparativos, o nosso laboratório já demonstrou, em modelos que mimetizam a doença de Parkinson, que a utilização do secretoma de células estaminais promove os mesmos efeitos que a transplantação de células por si só. O que, sob o ponto de vista de aplicação, é uma clara inovação.
E porque é que é uma inovação?
Por dois motivos: primeiro, a fácil e rápida obtenção quando comparado com todo o processo de colheita e expansão de células; segundo, pela capacidade de o preservar como um produto pronto a usar, o que claramente e se pensarmos sob o ponto de vista clínico, é uma vantagem.
“Se formos bem-sucedidos, isto permitirá, por exemplo, reajustar doses terapêuticas, que, em alguns casos, chegam a ser muito altas”
Outra inovação é a utilização da ultrassonografia guiada por ressonância magnética?
Numa outra dimensão, a utilização da ultrassonografia guiada por ressonância magnética é, sem dúvida, um impulso de inovação. Isto porque , uma vez que estamos a falar de uma técnica não cirúrgica, não invasiva que, sob o ponto de vista de execução técnica, nos permitirá tratar de uma forma mais personalizada e direcionada algumas das áreas cerebrais afetadas pela doença de Parkinson. De salientar que se formos bem-sucedidos, isto nos permitirá, por exemplo, reajustar doses terapêuticas, o que, em alguns casos, já chegam a ser muito altas. E assim poderemos atenuar o aparecimento de efeitos secundários, melhorando a qualidade de vida dos doentes.
Quando é que esta terapia vai estar disponível para os doentes de Parkinson e o que é preciso para que isso aconteça?
Ainda é um pouco prematuro antever essa possibilidade. Embora os fármacos que estamos a explorar já estejam a ser utilizados na prática clínica, assim como o secretoma e a ultrassonografia para a permeabilização da barreira hematoencefálica – apenas em ensaios clínicos, mas não ainda em doentes Parkinson. O que representa um excelente indicativo para uma potencial translação da estratégia a que nos propusemos.
Quando é que a equipa começou a investigação e quando termina?
Ao longo dos últimos 10 anos, o nosso laboratório tem-se dedicado ao campo da medicina regenerativa do sistema nervoso central, nomeadamente à doença de Parkinson. Foi com base em todo esse trabalho desenvolvido que conseguimos chegar até aqui e merecer o reconhecimento da Santa Casa em apostar no nosso trabalho, projeto, equipa, e nas instituições inerentes nomeadamente, o Instituto de Investigação em Ciências da Vida e Saúde (ICVS) da Escola de Medicina da Universidade do Minho, e a NeuroSpin – Commissariat à l’énergie atomique et aux énergies alternatives (CEA, Paris). No que concerne ao projecto propriamente dito, este iniciou-se em janeiro do presente ano e terminará no final de 2022.
“Uma imagem que me marcou foi ter seguido o pai de um amigo de infância que, infelizmente,
desenvolveu a doença”
O que é que o levou a estudar a doença de Parkinson?
Esta é uma questão que me tem sido feita várias vezes e com ela vem-me sempre à memória o dia em que defendi o meu doutoramento e um dos membros do júri me fez a mesma questão. Na altura, confesso que a minha resposta foi bem mais emotiva do que propriamente científica. Lembro-me de, na altura, dizer que uma imagem que me marcou foi o facto de ter seguido o pai de um amigo de infância que, infelizmente, desenvolveu a doença. Os tremores constantes, a rigidez, as discinesias – isto é, movimentos involuntários -, induzidas pelos tratamentos farmacológicos, faziam-me pensar se não haveria forma de modular isto, de podermos intervir, tentar atrasar a progressão da doença e, quem sabe, chegar à sua origem. Foram estas questões que nos fascinaram e nos fascinam, e nos fizeram chegar aqui, onde esperamos com o nosso projeto e investigação seja mais uma peça a compreender e a completar este grande ‘puzzle’ denominado de doença de Parkinson.
PRÉMIOS SANTA CASA NA ÁREA DAS NEUROCIÊNCIAS
Prémios Mantero Belard e Prémio Melo e Castro, ambos criados em 2013, com um prémio de 200 mil euros, e Prémio João Lobo Antunes, criado em 2017. Nas próximas semanas serão conhecidos os vencedores de 2020. Saiba mais aqui.