Há anos que a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) lida de perto com doentes com lesões vertebro-medulares e outros com doenças neurodegenerativas, como Parkinson e Alzheimer. O sofrimento e o impacto que estas condições têm nas suas vidas era evidente, e urgia fazer mais para os apoiar. Foi assim que surgiu, em 2013, a ideia de financiar investigação nestas duas áreas da saúde e criar os Prémios Santa Casa Neurociências.
A SCML resolveu, assim, apostar em áreas da saúde com “um maior impacto nas vidas dos doentes e respetivas famílias, e onde o limite da ciência ainda nos condiciona”, explica Rita Chaves, diretora do Departamento da Qualidade e Inovação da SCML, que desenhou e implementou o modelo do programa destes prémios. Segundo a responsável, é “crucial aumentarmos o conhecimento na compreensão dos mecanismos da doença” para que os tratamentos tenham sucesso, e se consiga diagnósticos e intervenções mais precoces. Por isso, era importante promover o trabalho de investigação científica ou clínica nas áreas multidisciplinares das biociências, nomeadamente a neurologia, a neuropatologia, a bioquímica, a biologia molecular, a genética molecular, a química, a farmacologia, a imunologia, a fisiologia e a biologia celular, entre outras.
Melhorar a vida dos doentes
Os Prémios Santa Casa Neurociências, dos quais a VISÃO é parceira de média, ascendem já a mais de três milhões de euros em bolsas atribuídas. Foram divididos em duas distinções, cada uma premiada com 200 mil euros. Uma delas é o Prémio Mantero Belard para a investigação científica e clínica no âmbito da prevenção e do tratamento das doenças neurodegenerativas associadas ao envelhecimento, como Parkinson e Alzheimer. Esta distinção é uma homenagem a Mantero Belard, que foi um dos grandes beneméritos da SCML. E vem responder às necessidades dos idosos que, entretanto, a instituição foi reconhecendo durante o trabalho no terreno. Só em 2019 acompanhou 1 618 utentes em centros de dia, outros 651 em estruturas residenciais para idosos e mais de 3 200 utentes com apoio domiciliário. Além de 729 beneficiários de teleassistência, 1 213 utentes subsidiados e acompanhados em lares privados, e mais 2 193 pessoas seguidas pelas equipas de apoio a idosos.
A segunda bolsa consiste no Prémio Melo e Castro, que distingue a descoberta de soluções para a reabilitação de doentes que sofrem de lesões vertebro-medulares de natureza traumática e não traumática (adquiridas ou congénitas). O objetivo é reduzir, de forma significativa, as limitações motoras e fisiológicas associadas.
O duro impacto da lesão vertebro-medular
Quando a SCML lançou a iniciativa, já contava com muitos anos de experiência no contacto com estas duras realidades nas vidas destes doentes. No Centro de Medicina de Reabilitação de Alcoitão − hoje com mais de 50 anos de atividade −, por exemplo, já era bem conhecido o impacto de uma lesão vertebro-medular nos utentes, que “tem consequências como a paraplegia ou tetraplegia”, sublinha Rita Chaves. Na realidade, continua a responsável, acaba por ser “algo que nos assusta a todos, apesar de muitas vezes nem fazermos ideia do impacto pessoal de tais consequências”. Este problema de saúde obriga a uma “mudança aguda, repentina e inesperada” e acontece, principalmente, a “adultos jovens, ou seja, na fase de vida ativa de uma pessoa”.
Não é fácil para os doentes lidarem com todas estas alterações, nem com as adaptações que são necessárias na residência e no transporte, e que, muitas vezes, “são difíceis e não estão acessíveis a todos”. A perda de autonomia e o impacto da doença a nível profissional causam, na maioria das vezes, sofrimento emocional.
Apesar de ser “uma condição de saúde que a ciência é ainda incapaz de reverter”, há esperança em encontrar “respostas mais condignas e eficazes neste domínio” através da investigação, sublinha a diretora do Departamento da Qualidade e Inovação da SCML. Por isso é que estes prémios são tão relevantes. Contam com a contribuição científica das universidades do Porto, de Coimbra e de Lisboa, e das sociedades médicas de Neurologia, Neurociências e Medicina Física de Reabilitação.
Galardão em honra de João Lobo Antunes
Os vencedores destes dois prémios serão conhecidos nas próximas semanas. Assim como os distinguidos no âmbito do Prémio João Lobo Antunes, um terceiro criado em 2017 como homenagem ao médico, neurocirurgião e cientista pelo enorme empenho que teve nas duas bolsas. Visa ainda reconhecer a excelência e o humanismo de Lobo Antunes, considerado uma das figuras mais marcantes da saúde, da ciência e da investigação biomédica em Portugal.
Esta bolsa destina-se a licenciados em medicina em regime de internato médico. E visa estimular a cultura científica e a investigação clínica na área das neurociências, “sem esquecer o princípio de João Lobo Antunes relativo à humanização do ato médico, os seus pacientes e as suas histórias”.
Estes três prémios tornaram-se uma referência nos campos da investigação e do desenvolvimento nacionais. Segundo o júri, ao longo dos anos tem-se registado uma melhoria da qualidade dos projetos candidatos. Rita Chaves regozija-se pela existência de uma rede nacional de investigadores nesta área, criada a partir de uma das conferências da SCML, onde se promove discussão e diálogo entre doentes, médicos e investigadores.
Este ano não haverá uma cerimónia de entrega dos prémios ao vivo, por causa dos tempos de pandemia em que vivemos. Mas aguardam-se os laureados e as respetivas investigações com expectativa.
PRÉMIOS SANTA CASA NA ÁREA DAS NEUROCIÊNCIAS
Prémio Mantero Belard
Criado em 2013
Distingue a investigação científica ou clínica no âmbito das doenças neurodegenerativas, associadas ao envelhecimento, como Parkinson e Alzheimer, que possibilite o surgimento de novas estratégias no tratamento e restabelecimento das funções neurológicas.
Valor: 200 mil euros
Prémio Melo e Castro
Criado em 2013
Promove a descoberta de soluções para a reabilitação de lesões vertebromedulares de natureza traumática e não traumática (adquiridas ou congénitas).
Valor: 200 mil euros
Prémio João Lobo Antunes
Criado em 2017
Foi concebido como homenagem ao médico, neurocirurgião e cientista. Destina-se a licenciados em Medicina, em regime de internato médico, e visa estimular a cultura científica e a investigação clínica na área das Neurociências, sem esquecer o princípio de João Lobo Antunes relativo à humanização do ato médico, “os seus pacientes e as suas histórias”.
Valor: 40 mil euros
Saiba mais sobre os prémios Santa Casa na área das neurociências.